A política é assim. Ela é cheia de jogos, da malabarismos, de artifícios... fora o roubo, o peculato, o suborno, a mentira... enfim, a corrupção em geral. Muita gente poderia ler essa postagem e pensar que não é novidade nenhuma, mas eu estava pensando nisso e achei importante, achei que era meu papel deixar isso claro, mesmo que por meio desse blogue, que provavelmente não é acessado por aqueles que menos informação e conhecimento possuem. O que quero trazer aqui é um jogo sujo conhecido, utilizado recentemente por dois políticos.
Primeiro Arruda, depois Leonardo Prudente. Ambos lutaram para permanecer no partido. Afinal, quem não deve, não teme. E foi essa a imagem que tentaram passar. Não iriam sair, não iriam e pronto. Fizeram defesa por escrito, pediram tempo, tiveram tempo, e inclusive foram na Justiça pedir ainda mais tempo. Pra mim é nítido que esse tempo só servia para tentar abafar o caso e tentar se safar, mas eles disseram que era para elaborarem suas defesas.
Só que o tempo dessa vez não ajudou. A explosiva combinação de vídeos bombásticos e contínua mobilização social tornaram o clima insuportável para eles. O remédio? Plano B, o famoso ‘pede pra sair’. “não.. não foi a situação insustentável, ,não... eu saí pra preservar os colegas de partido”. Colegas? Que colegas? Até ontem Durval era colega de todos e todos eram colegas de Durval, mas hoje ele passou para um crápula. Colegas? De partido!? Ora, nessa política aí não existem colegas. E como é que se faz para preservar um partido que te chuta o traseiro pra fora?
Arruda pediu tempo, depois se apressou em sair. Prudente entregou sua defesa, mas mandou depois um fax (?) escrito a mão pedindo também seu arrego. Que fique claro que o ditado permanece verdadeiro. Quem não deve, não teme. Que fique claro que quem fosse acusado erroneamente e tivesse uma vida idônea, sairia fortalecido de uma injúria tão pesada quanto essa, se injúria o fosse.
Cá entre nós, aquele diálogo entre Durval e o governador é a maior evidência de todas pra mim. “Quando você for divulgar, me avisa antes, que é pra eu sumir do país ou dar um tiro na cabeça ou matar você” (mais ou menos isso). As evidências são manipuláveis, fatos podem ser ocultados, mas um diálogo desse aí revela a profundidade da coisa a partir da dimensão da alma humana atormentada.
Falando em alma, outra situação que pra mim é gravíssima, mas a grande mídia não deu importância, foi aquela ocasião da oração. Todo mundo ficou boquiaberto com a cena, mas não é da oração que estou falando. É sobre o pós oração: todo mundo saindo, cada um sabendo de si, e aí o Prudente, quase como que olhando pra câmera , diz “que paulada!”, com um sorriso flagrante. Que paulada...
Quero desejar a todo mundo que lê o Carta um ano novo cheio de paz, esperança e perseverança. Um abraço!
Somos humanos. E uma das maiores marcas do que é ser humano é a aprendizagem. Talvez venha daí o meu fascínio pela educação. Ao contrário dos demais animais, nós nascemos completamente ignorantes e incapazes, mas nos tornamos conscientes e capazes por meio da aprendizagem. O ser humano é, por excelência, o animal da aprendizagem. Mas a pergunta que faço é: o que isso nos provoca, orgulho ou vergonha?
A nossa sociedade dicotomizou a relação de aprendizagem. Existem aqueles que ensinam e existem aqueles que aprendem. E como já dizia o mestre Foucault, e antes dele o Mestre Jesus, conhecimento é poder. E isso não se pode esquecer, pois, se conhecimento é poder, e os humanos adoram poder, então tem muito mais coisa do que aparenta essa coisa de aprendizagem.
Estou dizendo isso pra mostrar que é essa divisão entre o que ensina e o que aprende não é casual. Mas essa relação revela, ainda, um enorme contrasenso da humanidade: se a grande marca do ser humano é aprender, por que então o que todos querem é ensinar?
* * *
O movimento contra a corrupção é pedagógico. Ele tem ensinado a sociedade de muitas maneiras, em muitos aspectos, aos mais variados segmentos de pessoas. Mas tem um segmento muito importante da sociedade que pode perder o bonde do aprendizado. Falo justamente do grupo maior, o mais presente e responsável pela vida desse movimento. Falo do grupo que poderia chamar de grupo dos movimentos sociais. O que chamo de movimentos sociais aqui compreende partidos políticos, grupos autônomos de luta, de trabalhadores, estudantes, sindicatos, grupos de etnia, gênero, ambientalistas, socialistas, democratas, anarquistas, etc. Os grupos que já estão acostumados a lutar há mais tempo. Boa parte desses grupos está hoje unida num grande movimento social, que é esse movimento contra a corrupção, cuja luta se dá no DF, mas possui repercussão nacional.
E é muito bonito ver partidos rivais construindo em conjunto. Grupos que sempre atuaram em frentes separadas hoje estão juntos em prol de uma causa só. E o momento maior disso tudo foi o tempo de ocupação da Casa do Povo, vulgo Câmara Legislativa do DF. É que ali se dividia mais do que momentos de luta. Dividia-se ali o espaço, a morada. Além disso, havia assembléias diárias, onde grupos que historicamente são separados estavam deliberando em conjunto. O espaço era um só, a comida era uma, a sujeira e limpeza concerniam a todos, e a força daquilo dependia de todos ali, pois todos sabiam que o seu grupo sozinho não era forte o bastante pra sustentar a ocupação.
O movimento ensinou que esses grupos, que são separados e às vezes rivais, são mais unidos do que se acreditava. O movimento ensinou que os grupos que lutam ainda são poucos para vencerem sozinhos, e que só a união dessas forças é que pode fazer vislumbrar no horizonte a vitória. O movimento ensinou que dividimos muita coisa, o movimento ensinou que é preciso humildade para ouvir o outro, sendo que o outro é muitas vezes um antigo rival. O movimento ensinou a pôr em questão se nós somos mesmo rivais.
O movimento ensinou? Bom, ele ao menos tentou. Ele foi, e tem sido, mais do que claro nos seus ensinamentos. É o movimento que tanto ensinou aos demais, ensinando lições a si mesmo. Mas temos aí um problema. Para a aprendizagem, não bastam apenas as grandes lições, por maiores que sejam. É um problema que se remete ao que foi discutido no início do texto: Será que o movimento que a tanta gente ensinou está realmente disposto a aprender consigo mesmo?
É um movimento que exige a punição de todos os corruptos que foram evidenciados recentemente. Esse movimento, que se estabeleceu ao longo dessas mais de duas semanas desde o estouro do mensalão do democratas, do arrudoduto, ou do que quer que se chame, é um movimento que vem buscando um objetivo bem claro, mas, de lambuja, está atingindo um outro: a educação cidadã e o ensino prático acerca do que é fazer valer um Estado Democrático de Direito. Se isso não está claro de imediato, já dou logo um exemplo quentinho, o de hoje. Manifestantes, aos quais a mídia insiste em chamar de ‘estudantes’, numa clara estratégia de diminuir a representatividade de um movimento plural e popular, foram hoje assistir à plenária na Câmara. Como o analfabetismo democrático impera neste DF, o que mais aconteceria? Foram barrados na porta. O vídeo da tv de Paulo Octávio quis mascarar a batalha e fazer parecer instantâneo, mas não foi bem assim. A mídia é uma aluna teimosa, mas quando aprender, beberá da amarga vergonha de se posicionar em desfavor do próprio povo. A situação era a seguinte: queriam impedir o povo de entrar na própria casa para ver de perto o que estaria acontecendo por lá. Qual foi a lição ensinada? Aquela câmara ali é casa do povo por direito e o povo não pode ser impedido. E o exercício de fixação? Entrou-se na marra. Botados pra fora? entrou-se de novo. Pra fora na força do braço? pra dentro de novo, na força do saber e o do poder que é do povo que luta. O povo em movimento foi pras ruas quando foi humilhado demais. O batalhão de um governo fascista tentou nos tolher o direito. Ora, a rua é do povo, e às ruas o povo não renunciará! Isso ficou ensinado à maldita PM (isentas as exceções), que hoje nos teme quando viu que a eles nós não temeremos – e depois que aprendeu a lição. A lição de que é o povo o dono de tudo, que das ruas não arredaremos, mas que faça-se o que se exige por parte do povo, e o primeiro pilar dessa máfia já caiu parcial.mente. O povo deu corpo ao seu grito por justiça, e o corrupto pediu pra sair.
E ainda são muitas as outras lições. Pessoas que nunca se sentiram sua voz ecoar puderam fazê-lo nos atos nascidos na praça Zumbi no Conic, redimensionados na Rodoviária, e eclodidos nas ruas monumentais do DF e nos edifícios do poder (e da corrupção). Foram pessoas que aprenderam um pouco mais sobre elas mesmas, e o poder que elas têm dentro delas. E tem muitas outras que estamos a ensinar (e a aprender), mas eu quero que chegue logo o dia em que a lição final será aprendida por todos – e alguns aprenderão amargamente, aqueles que cairão de seus mandatos erigidos com a podridão da corrupção, que a todos nós ofendeu.
Quem não se movimenta não percebe as correntes que o prendem, é uma brilhante assertiva de Rosa Luxemburgo. Um tanto desconhecida pela maioria, é um pensamento acertado, razoavelmente difundido e compartilhado entre os movimentos sociais de luta por um mundo mais justo ou mais ético, ou um mundo melhor, chame como quiser. Eu sempre lembro dessa frase quando vejo uma luta acontecendo. Uma coisa que me chama atenção é pensar em por que as pessoas que estão tão perto conseguem permanecer tão distantes. No ato em que o exército policial tentou barrar o movimento mas acabou lhe impulsionando, houve vários momentos em que paramos o trânsito ou transitamos entre os carros em movimento. É impressionante como as pessoas atravessavam o ato como se não vissem nada. Alguns, inclusive, nem para o lado olhavam. Sempre em frente, sempre perseguindo o alvo. 'Que alvo? Bom, o alvo... o alvo eu não sei, até mesmo porque estou ocupado demais perseguindo o meu alvo pra pensar nessa coisa de alvo'.
Alguns buzinavam, mas era minoria. A maioria passava indiferente. É interessante pensar no porque de as pessoas estarem indiferentes. Há poucas semanas atrás, o movimento era a greve da minha categoria. Estivemos naquele mesmo lugar, pleiteando uma reestruturação da carreira. E as pessoas seguiam indiferentes. No máximo olhavam, aqueles que viam em nós um tipo de entretenimento, até pra quebrar a rotina enfadonha do trabalho ou do percurso. Tudo bem, não quero fingir aqui que as categorias são unidas no mundo do trabalho. Mas o que acontece hoje em Brasília é algo que atravessa a todos. O governo governa o DF, e de todos roubou. Contra todos praticou vários crimes, os que sabemos e os que não sabemos, os que são tipificados crimes e os que não são, como o crime de debochar da nossa cara dizendo que é inocente, enquanto no fundo no fundo, pensa “essa população do DF tem a cabeça tão fraca que além de aceitar as desculpas, esquecerá rapidinho”. Mas a pergunta que me faço é: Se contra todos praticou vários crimes, como é que as pessoas conseguem permanecer tão indiferentes assim? A grande nuance é passar por pessoas em igual situação de ultraje, e ver as caras de estranheza, ou de impressionadas, como se estivessem vendo um grupo de seres de outro planeta. “Não é comigo, é a frase que extraio de tais expressões”. Na carreata de hoje, uma picape pampa de loja de vidros passou por mim, e o motorista desacelerou, e atravessou a mulher do banco de carona para me dizer "tirar um ladrão pra depois vocês entrarem lá e roubarem também!?" Quem dera o caminho para o povo alcançar o poder fosse rápido assim...
Esses dias eu dispus de pouco tempo pra gastar por aqui. É que esses tempos são tempos de ruas, e é por isso que as lutas se deram nas ruas e não na internet. Sem querer desmerecer a ferramenta importante que a internet tem sido nessas lutas, mas um dos mais graves erros do cidadão de hoje é transformar a net, que é uma ferramenta de luta, na própria luta em si.
Mas sem mais delongas, dou início à série sobre a corrupção no DF. Chamo de série porque é a isso que irei me dedicar a escrever nos próximos dias. E como o tempo tem sido escasso e as voltas do mundo parecem encurtar a cada dia, eu não vou querer gastar tempo com textos com Início, Meio e Fim. Esse aqui é o início. O meio é tudo aquilo que vem a partir de agora. E o fim, ah, o fim... o fim a Deus pertence – mas Ele que bobo não é já tratou de avisar que o fim que você deseja do céu não cairá. E se é assim, mãos no arado.
Um último aviso. Isso aqui não é série bonitinha igual da Globo, não. Então, apesar de ser série, não necessariamente tem ordem ou lógica, por mais estranho que isso soe.
Faroeste Calango
Já vou logo avisando a você: O DF virou uma terra sem lei. Melhor, um faroeste, onde mandam pistolões e o restante se borra ou leva chumbo. Então, manifestantes munidos de vergonha na cara e consciência ético-política se viram em guerra contra uma frota militar de cavalos, cachorros e o mais temível dos animais, o ser humano. O humano é temível como temíveis fomos nas ruas contra a corrupção que esfregaram na nossa cara. O humano é temível também quando não reconhece no outro o seu semelhante, e o massacra com tiros e cassetetes. Mas eu vou te deixar animado: eu provei e são de borracha. E vai ser preciso mais para frear a força da nossa insurreição. Já a manada de cavalos estava calçada com ferro mesmo. Porém, ao contrário do que imaginam, isso só nos enche de motivos para lutarmos com ímpeto e mais ímpeto. Os que achavam que as cavalgadas nos iriam desanimar acordaram debaixo de chuva de ferraduras sobre as próprias cabeças.
Na terra do faroeste, polícia bate em criança num ato pacífico, e adolescente agora apanha de professora em vez de aprender lição de cidadania. No faroeste, o bandido que aumentou mil por cento o seu patrimônio é o mocinho, e os que foram roubados, lesados por essa sujeira de cortar a carne, não podem gritar coletivamente a sua indignação, sem ter que levar pancada. A terra do faroeste enfiou a ditadura militar num fundo bolso.
E na terra do faroeste calango, me avisam para que eu tire os dizeres do inconformismo estampados no carro, alertando que levarei multa ou que as chefias irão me punir. Ora! Pro inferno com aviso de merda! Não vou pagar simpatia pra ninguém! E se vier de gracinha, já vou avisando: eu vou dar enxaqueca e trabalho. E sozinho eu não tô. Nem eu e nem a companheirada que foi presa, e nem a que foi "só" machucada, e nem as crianças. Companhia uns pros outros, na luta e até a vitória!
Andei um tanto ocupado esse últimos dias com a greve, e aí acabei não dando a visibilidade que acho que esse dia merece. Na verdade não é só por merecimento, é por amor mesmo. Meu sangue ferve e até as lágrimas descem quando o assunto é o povo preto.
Acabei não escrevendo no dia, mas é como acabei de dizer: eu preciso dar Visibilidade a esse tema.
Há um bom tempo atrás, mais de uma década, o instituto DataFolha lançou uma grande pesquisa sobre a questão da desigualdade racial no Brasil. Os resultados acabaram dando a idéiaexata ao título, e o estudo foi intitulado Racismo Cordial.
O que seria o racismo cordial? Vou tentar expressar o espírito do conceito com um dado* brutal: Apenas 5% das pessoas entrevistadas admitiram ter atitudes racistas, mas 95% das pessoas afirmaram que conhecem ao menos uma pessoa racista. Ou esses 5% são mais conhecidos que nota de dois reais, ou existe algo muito estranho entre os 95% restantes.
O racismo cordial é um tipo de racismo invisível. É como o vento que não se vê mas a todos se faz sensível. O racismo no Brasil é invisível, o genocídio negro persiste até hoje e segue invisível à maioria, o Dia da Consciência Negra ainda carece muito de visibilidade. Há uma luta já histórica de fazê-lo feriado, mas é uma luta que querem tornar invisível.
O dia 20 de novembro tem a ver com Zumbi e Palmares. E da intangível herança de Palmares, eu quero registrar apenas por alto os assaltos**. Um deles é a herança quilombo, e o outro, as cotas nas universidades e outras instituições.
Qual é a herança quilombo a que me refiro? Acredito que a maioria pensa em algo abstrato, alguma característica, etc. e tenho certeza que muita gente simplesmente desconhece o que vou falar: a herança quilombo são os próprios quilombos. Os quilombos que existem até HOJE. Mas agora o nome mudou um pouco, para Comunidades Quilombolas, ou Comunidades de Remanescentes de Quilombo. Existem comunidades de filhos, de netos e bisnetos de escravos até hoje no país, resistindo, lutando pela demarcação de suas terras que até hoje o Estado racista não reconhece o pertencimento. Para os mais desinformados, não muito longe do DF existem os Kalungas, um quilombo aqui nesse Goiás (do qual o DF finge que não pertence).
O outro assalto é a instituição de cotas para negros em universidades e outros espaços. É difícil de conceber, mas na universidade pública, a população negra era de apenas 2% do total, conforme revelava o Ipea. Hoje, com 20% das vagas, que muitas vezes são disputadas com brancos que querem nos destituir de nossa conquista chegando afirmar que são negros sem o ser, garantimos um espaço que já desencadeou um ciclo de transformações na sociedade brasileira.
E onde entra a herança do assalto nessa história? É basicamente o seguinte: tudo aquilo que a população afro-brasileira conquistou até hoje nessa terra desde que foi raptada de África foi de assalto. Nesse sentido, até a própria liberdade teve que ser tomada à força das mãos dos colonos. Quilombo foi a forma que os assaltantes da liberdade deram, quando a coletivizaram. E até a própria terra onde essa liberdade assentava seus pés teve que ser tomada dos opressores. Bem assim as vagas de estudo e trabalho. Chega de um povo apenas construir e o outro apenas usufruir. Vamos partilhar o segundo hábito, nem que seja pegando uma parte e dizendo: essa aqui é para este povo.
Viva Zumbi!Viva Palmares!
Viva esse pigmento que dá esse tom lindo à nossa pele, apesar das consequências!
* Eu arredondei 5% e 95% porque não lembro o número exato. Se eu não me engano é ainda mais acentuado, tipo 98% e 2%.
** Dois assaltos recentes estão registrados nesse blogue. Veja clicando aqui
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Todos Curados!
Alguém aí já ouviu falar em H1N1, Influenza A, ou Gripe Suína?
Pois é, numa época distante, isso já foi o mal do século. Movimentou a indústria farmacêutica, foi o assunto mais importante da mídia, e todos que nessa época viviam estavam apavorados. Qualquer espirro e todos entravam em estado de alerta e pânico. E o mundo ficou todo contaminado desse mal. Mas isso foi em uma época distante, muito distante...
* * *
O jeitinho GDF de promover segurança e combater violência
Mais algum montante irrisório de centenas de milhares de reais foi gasto essa semana para promover o tal do “GDF TV”, aquelas propagandas em horário nobre e emissora nobre para promover o governo atual. Dessa vez, o assunto chamou atenção: combate a violência e segurança pública. E como é que o GDF faz pra promover a paz no DF? Equipa a Polícia. Não é questão de certo ou errado, mas vai perguntar o quanto o GDF tem gastado com o restante da história? A polícia prende aquele que viola as leis. Mas e depois? O ‘depois’ são presídios tão horríveis quanto jaulas, que não tem a menor condição de trazer transformações positivas para aqueles que lá estão depositados. Além disso, as políticas sociais que operacionalizam direitos e fazem vislumbrar alguma luz no fim do túnel são simplesmente desprezadas por este governo.
- Aguardem em breve um texto aqui no Carta falando da previsível construção de presídios. Presídios que abrigarão os novos detentos que o aumento puro e simples em policiamento vai gerar. É só esperar...
Quero comentar a respeito de um problema antigo aqui do Carta. Meu pensamento sempre era privilegiar a discussão, a troca de pontos de vista, e primava por discutir recortes desmarcados, isto é, fora daquele jogo de cartas marcadas conhecido por quem tem um mínimo de conhecimento sobre as 4 famílias do apocalipse midiático brasileiro. Mas pra fazer tudo isso ao mesmo tempo, algumas coisas precisavam ser respeitadas e acabava gerando poucas postagens por mês de textos com tamanho razoável. Eu estava querendo dar uma mudada nesse formato, tanto pra movimentar mais o blogue (se rolar tempo) quanto pra aproveitar os vários assuntos possíveis que acabavam não entrando aqui. Tudo isso converge para a seguinte novidade: Gotas!
A seção Gotas tem inspiração nos “Drops” de notícias. Doses menores pra poder trazer mais coisas pra cá.
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Dando início ao Gotas, quero trazer pra cá duas coisas que me chamaram muita atenção esses dias. São propagandas: de carros e de perfume.
Quem viu a propaganda do novo Ford Focus O melhor em preço, desempenho, tecnologia, e.... isso mesmo! O melhor no quesito “namorada do dono do carro” (!!!) É impressionante o apelo midiático a esse tipo de coisa. Além do estereótipo Barbie da ‘melhor namorada’ que eles exibem na propaganda, é simplesmente uma derrota ter que recorrer à idéia da mulher-objeto, ou ‘melhor’, da mulher-item-de-série de um automóvel.
Quando não é apelando pra isso, é como o caso do Fiat 500, que é um desenho animado – palco perfeito para a criação de um mundo ilusório – onde o carro anda em meio à natureza e um céu azul bem estranho aos olhos enfumaçados atuais, pára num posto de combustível e abastece com uma gota (!), desvia de uns robôs gigantes, e depois pára na faixa de pedestre para uma ninhada de robozinhos atravessar enquanto o narrador descreve um possível futuro. Não sei que sentido faz esse futuro, em praticamente nada do que a propaganda mostra, principalmente essa de abastecer com uma gotinha e ir embora. Sobre carros tem mais propagandas que são dignas de discutir aqui, mas é tanta bizarrice que eu já até acostumei. ...Acostumei? Oxi... preciso rever isso.
* * *
Eu estava assindo televisão quando começou aquela coisa glamorosa: carro de luxo, iates, um casal de gostosões, enquanto é narrado um texto digno de gargalhada! “liberdade para escolher seu destino, e ir onde tudo acontece” e pior “Jet femme e Jet Homme, seu estilo de vida exclusivo”. Hahaha! Exclusivo? Do que se trata? De um perfume que vai ser revendido em cada rua de cada cidade do Brasil? Ou de ter um carro de luxo, estacionar num píer deserto com uma mulher com vestido de baile e entrar num iate gigante num mar dourado e deserto? Não sei qual dos dois é mais hilário!
Gotas!
PS: Os comentários não precisam ser do tamanho de gotas, certo? Pelo contrário.
*Comercial do Fiat 500 pra ver com os próprios olhos
http://www.youtube.com/watch?v=HfezAZhiLDQ
**Propaganda da Avon: www.avonjet.com.br Lá você clica em mídia e depois anúncio de TV.
Esse assunto merece uma postagem bem rápida e rasteira. Fala sobre o domingo 04/10 e o SEU pecado de morte. Ou seja, é sobre a eleição que vai acontecer nesse domingo. Se você não sabe que eleição é essa, já começou a cometer o pecado mortal. Leia o restante e saiba como talvez se livrar.
Vai acontecer nesse domingo, dia 04/10/2009 algo decisivo para a realidade das crianças e dos adolescentes do Distrito Federal. É a eleição para Conselheiros Tutelares. Perdoem-me por eu não ter escrito um texto sobre o que são os conselhos tutelares e a sua importância para a uma sociedade justa e igualitária. Prometo que depois faço isso.
Eu sei que não houve campanha, não houve uma ampla divulgação das eleições... Mas agora você já está sabendo. Agora não dá mais pra apelar para a ignorância (ou inocência. Tanto faz).
As eleições acontecerão no domingo, dia 04/10. Para votar, é preciso levar o título de eleitor e um documento de identidade. Os locais de votação estão disponíveis clicando aqui, e o processo é o seguinte: ainda que você more em uma Região Administrativa (RA), como o Cruzeiro, por exemplo, você pode escolher outra RA para votar. Isso é interessante para quem mora em um lugar mais realiza trabalhos em outra RA. Então quem mora no Cruzeiro pode votar em candidatos do Cruzeiro, do Plano Piloto ou do Gama, etc. Outra informação importante é: cada pessoa tem direito a 5 votos, pois cada conselho é formado por 5 pessoas (mas não pode escolher pessoas de RAs diferentes, só da mesma RA).
Votar é o mínimo que você pode fazer. Se não for lá votar, você estará cometendo um pecado mortal, mortal para as crianças e adolescentes do Distrito Federal. Mortal para uma sociedade justa e igualitária. Portanto, vote. Vote ao menos para poder dizer que votou, e assim poder se sentir parte dos avanços ou para poder cobrar de quem você votou.
Agora, se você não sabe em quem poderia votar, pois não conhece nenhum candidato, eu proponho o seguinte: informo você sobre candidatos sérios e comprometidos da sua cidade, caso eu conheça. Se eu não conhecer nenhum, não indico. Na verdade, nesse caso eu proponho outra coisa: proponho a ajudar com seu voto a fortalecer a candidatura de pessoas muito sérias, comprometidas e batalhadoras que lutam comigo cotidianamente nas outras esferas da garantia dos direitos das crianças e adolescentes desse DF*.
- Quem não votar estará compactuando com todas aquelas coisas que a gente gosta de reclamar, mas muitas vezes pouco se move pra mudar. Criança usando droga, adolescente roubando ou matando, criança sexualmente explorada, sendo estuprada dentro de casa......
*Se tiver esse interesse, me pergunte na seção de comentários do blog, ou escreva o quanto antes para ensejo@gmail.com
Eu estava na EPTG, quando meus olhos se abriram. Era um belo dia de sol com nuvens no famoso céu do Distrito Federal e eu senti que os horizontes estavam abertos para mim, pois eu pude enxergar além. Eu estranhei a facilidade de tamanha visão e, após esfregar os olhos e olhar ao redor, uma placa/outdoor publicitário me explicava a origem de tudo.
Eu fiquei impressionado com aquela bizarrice. Árvores derrubadas aos montes, e muita, muita terra revirada. Mais poeira e menos verde: essa é a “nova EPTG”, moderna e adaptada para os cidadãos. E esse é o modo do governo Arruda/Paulo Octávio demonstrarem o seu “Compromisso com o Futuro”. (!)
Mais piche, menos árvores. Área de preservação ambiental? Dane-se! Cortem logo essas árvores centenárias! Temos que sufocar essa terra, com muito asfalto para fazer passar o progresso. Enquanto isso, a passagem do Metrô subiu nada menos do que 50%, para os inviáveis R$3,00, para fazer jus ao título de passagem mais cara e pior transporte do Brasil. Eu não sei se isso irrita a você, mas quando vi essa placa, eu fotografei foi de indignação. Parece sacanagem com a minha cara, oras! Mas antes que eu me revoltasse, eu finalmente compreendi. É que não é por mal, mas no DF atual, as coisas funcionam de pernas pro ar. É tudo ao avesso, como no mundo de Galeano.
É por isso que, se temos mais gente andando pra lá e pra cá, não se aumenta o número e nem a qualidade dos ônibus. Não se repensa a tarifa. O GDF de ‘Arruda’, ironicamente, derruba árvores e joga mais piche. De que adianta só pista, se os baús andam entupidos, como as malditas latas de sardinhas!? Além de poucos, são caros, além de caros, são péssimos e, além disso, não existe integração de nada com coisa nenhuma. Centenas de árvores a menos, a dar lugar a petróleo e fumaça. E como isso se chama? LINHA VERDE! Hahahah!
E a mais nova da cidade ao avesso é a seguinte: cansado do trabalho pedagógico feito com a população do DF ao longo de anos por um educador chamado Cristovam, o GDF atual resolveu dar um tom que combinasse mais com esse governo. O que fazer com talvez o único ‘estado’ do país onde o pedestre chega com bom senso na faixa, espera os primeiros carros passarem, acena com a mão, e depois que todos os carros pararam ele atravessa a pista? Vamos colocar semáforos para dizer a esse bando de civilizados a hora mecânica de eles pararem! Então, numa canetada (cuja tinta cheira a troca de favores com a indústria do controle do trânsito) o GDF manda instalar semáforos nas faixas de pedestre de toda a cidade. Afinal, pra quê investir em iluminação, sonorização, placas informativas e manutenção periódica das faixas, se podemos pagar mais caro num semáforo que acenda uma luz para parar e outra para seguir? E eu disse “podemos” não foi a toa. Vem do nosso bolso o dinheiro que bancou esses sinais, e todo o resto. Mas, voltando assunto, vamos falar do resultado. O resultado? Nada melhor: uma cidade onde se aperta o botão do sinal pra atravessar, mas se atravessa ainda no vermelho, pois o fluxo de carros deu uma trégua, e aí, quando o carro chega, está vermelho pra ele e ele pára. Mas pára pra quem, se o pedestre atravessou quando ainda estava verde pro carro? O resultado é uma maravilha do mundo ao avesso: vermelho para os carros quando não há pedestres, e vermelho para os pedestres quando não há carros! E o verde? Ah, o verde... um dia estaremos todos pintados dessa cor, como já está sendo com os prédios, as logomarcas... e, quem sabe um dia, o próprio céu será de verde-arruda. Pois hoje a cor do céu ainda é um resquício do antigo patriarca do DF.
Além desses dois exemplos peculiares, ainda temos outros. Muitos, muitos postos policiais, para vigiar uma gente que dispõe de poucos, poucos postos de emprego e escola. O governo é capaz de contratar um policial para cada cela do CAJE, mas investir em infraestrutura para um atendimento minimamente eficaz!? Isso jamais! É muita coerência para o governo das pernas pro ar poluído. E recomendo também uma espiadinha (valeu Bial! Nem te assisto, mas sua gíria eu já sei!) no orçamento do DF para o próximo ano. Olha lá a saúde, educação e assistência social – se você conseguir enxergar -, mas antes de cair em desespero você olha pro orçamento gordo obeso da copa do mundo no DF e relaxa... Os estádios serão construídos com o seu dinheiro pro DF ser cidade sede. Tá certo que quem vai assistir são os gringos, e a população do DF (exceto o playboy e um ou outro operário fanático) vai ficar de fora vendendo apetrechos e bebidas...
...Mas é assim mesmo no DF, a cidade que é um mundo ao avesso.
A confusão deu até na TV: “porcos utilizados em trote geram transtornos na Universidade de Brasília”. A manchete diz respeito ao trote realizado para os calouros do curso de Agronomia da UnB, em que foram utilizados duas leitoas filhotes, com placas que traziam piadas relacionadas à gripe suína. A mídia falou sobre a suspensão das aulas, a interrupção das atividades do Departamento de Agronomia, e também da multa imposta a Ninguém (isto é, ninguém se identificou como responsável pelas porquinhas) por levar animais ao campus sem autorização de transporte exigida pela Lei de Crimes Ambientais.
Muitos aspectos da confusão foram destacados, mas, os oprimidos, estes continuaram oprimidos. Refiro-me aos calouros, que participavam de um rito de humilhação apelidado de “trote”, e das leitoas, que serviram apenas como instrumentos para um divertimento de mau gosto e como expiação para o erro alheio. Esta é a situação exemplar em que os mais frágeis e vulneráveis são subjugados e desrespeitados - pelo simples fato de serem frágeis e vulneráveis. No caso das porquinhas é ainda pior, pois não são capazes de verbalizar que não estão gostando da “brincadeira”.
As boas vindas aos ingressantes de uma universidade podem ser feitas de diversas formas, desde empoderá-los de todas as possibilidades que um universitário passa a usufruir, até humilhar e subjugar, como condição para não se sentir discriminado no grupo do qual passará a fazer parte. O trote, ou qualquer outro sinônimo para um ritual de recepção dos ingressantes, pode ser um espaço para apresentar o universo acadêmico, e pode inserir os calouros não em atividades humilhantes e vexatórias, mas em atividades solidárias, inclusive para com os animais não humanos. O fato é que, em vez de promover a proteção ou a adoção de animais abandonados, o trote do curso de Agronomia optou por desperdiçar a chance de promover a solidariedade e, de quebra, expôs duas porquinhas a situações nas quais não tinham nenhum interesse, coisa que os grunhidos, a agitação e a defecação, mostravam “com todas as letras”.
Com o protesto das porquinhas, o que era para ser um trote se transformou em confusão. Acabou dando polícia e as leitoas foram apreendidas pela Secretaria de Agricultura, uma vez que o responsável não se identificou. Não foram elas que inventaram a brincadeira, mas, pra variar, as porquinhas por serem mais fracas é que “pagariam o pato” pela irresponsabilidade alheia: caso o dono não comparecesse na Secretaria de Agricultura para pagar uma multa e assim retirar os animais, estas seriam abatidas em questão de poucos dias. Mas esta novela teve um final feliz, o Núcleo de Estudos Vegetarianos de Brasília e a Associação Protetora dos Animais de Brasília - ProAnima, realizaram uma extensa articulação e hoje as porquinhas estão sãs e salvas, vivendo num lar adotivo, onde não serão mais alvo de piada e nem menos serão abatidas.
Essa é a parte II do texto do Setor Noroeste. Havia mais esse assunto pra tratar, e eu acabei optando por separar essa parte do texto anterior. O Setor Noroeste é um caso emblemático, mas se enquadra dentro desse assunto mais geral, que é o de hoje.
O que acontece é a existência de um fenômeno bem típico de sociedade, cuja dinâmica é a do desenvolvimento desigual e combinado (salve Furtado!), isto é: uma sociedade que cresce na riqueza (concentrada) e na pobreza ao mesmo tempo. Sim, é uma contradição, mas uma contradição de alma; no caso, a alma do modelo capitalista. Daí é que não causa surpresa o ‘bota fora’ feito para índios seculares, em nome da devastação de matas preservadas para a edificação de mais uma colônia de concreto de alto custo.
Um caso semelhante é o surgimento das ilhas habitacionais. Ilhas! Eu queria parabenizar a pessoa que teve a idéia de dar esse nome! Nenhum outro nome poderia se encaixar tão perfeitamente como esse. Aqui no DF já existem duas, Ilhas Maurício e Ilhas do Lago. E a idéia é bem essa mesmo, um oceano de pobreza e miserabilidade humana cercando um pequeno aglomerado de riqueza acumulada.
..Mas eu falei de riqueza, pobreza, e miséria humana? Porque é fundamental deixar claro que esses termos podem ser relativizados e postos de cabeça pra baixo. Afinal, que riqueza há em habitar um lugar, cujo valor injetado para comprar a especulação daria pra bancar a sobrevivência de famílias e famílias que perecem por não terem o mínimo necessário para viver? Que riqueza há em ter uma tv enorme e bonita, se o noticiário que o rico entediado assiste por ela só mostra violência e desgraça?
Além disso – e de muitas outras coisas que poderiam ser ditas nesse sentido –, existe um ponto muito interessante que eu gostaria de compartilhar aqui. É sobre o paradoxo do pensamento de massa e o individualismo social. É uma contradição muito interessante, não fosse o seu trágico conteúdo para a ‘nossa’ humanidade. Parece algo confuso e, à primeira vista,complicado de entender. Mas a explicação vai se tornando acessível na medida em que nos deparamos com exemplos variados desse paradoxo no nosso cotidiano.
O pensamento de massa, como o próprio nome já diz, tem a ver com isso aí que está em todo lugar. Um pensamento só, que serve como molde para uma frota, um exército de indivíduos. Uma só receita. Um só caminho para a felicidade – o segredo está enterrado nas Ilhas! O individualismo social, por sua vez, é a proeza que a sociedade é capaz de produzir, e que está resumido naquela conhecida frase: ‘sozinho no meio da multidão’. É a capacidade de um conjunto de indivíduos estarem juntos e separados ao mesmo tempo. É quando o seu sucesso é completamente dependente do fracasso de muitos. É quando o indivíduo é como uma ilha, e a sociedade é como um mar que não se cansa de tentar invadir, engolir. E aquele que se vê na posição de ilha e vê os outros como mar, é também o mar que inquieta a ilha que é o outro.
Acho que deu pra entender os dois pontos. Agora, o paradoxo que aí existe: Como é possível que os indivíduos sejam massa onde deveriam ser únicos, e únicos, onde deveriam ser coesos como os ingredientes de uma massa? É isso aí. É quando se consegue fazer com que um mundo inteiro não ultrapasse os limites de uma ilha.
Saíram ontem especulações sobre o valor dos apartamentos do chamado Setor Noroeste. É claro que os valores não eram mais do que uma piada. O problema é que os barões já não sabem mais identificar uma piada quando estão diante de uma – quanto mais seriam capazes de rir, caso vissem uma piada! Capacidades à parte, eis os valores estimados (sem falar de especulados): oito mil reais o metro², e – paralisem – dois milhões de reais um apartamento. Não é fantasia ou exagero. E isso é só o começo... não há limites para a avidez dos adoradores de Mamom.
Não é fácil sustentar uma charlatanice como essa. Dois milhões por um quadrado para chamar de ‘casa’. Então vêm as tentativas, ‘é a localização’, ‘é o luxo e o conforto’, ‘é a proposta de bairro ecológico’, ‘é o status’. Dentre essas e quaisquer outras justificativas para esse valor astronômico (sem querer ofender aos que gostam de astronomia, que é uma ciência maravilhosa, profunda e instigante... incomparável com a futilidade e a superficialidade do que está em questão aqui), acredito que a única que justifica de fato os valores é a questão do status. E hoje se faz de tudo por status, se vende o corpo por status, se vende a alma por status, se vendem os sonhos por status, e se compra um apartamento por um milhão, por dois milhões, simplesmente e fatalmente por status.
Mas não é de status que quero falar. Eu quero falar é das duas aviltantes justificativas, que são tão cínicas que me provocam raiva, mas elas não me farão sair do sério.
Os arautos do inferno moderno bradam a quatro ventos que esse será um bairro ecológico. E ainda possuem a cara de pau de dizer que esse será “o primeiro bairro ecológico do Brasil”! É preciso ser muito trouxa pra acreditar nessa piada de mau gosto. Vamos lá: por que será considerado um bairro ecológico? Porque vai ter coleta seletiva, uma tentativa de aproveitamento da água da chuva, e algo de energia solar. Faça-me rir! Coleta seletiva? Mas como coletar o seleto lixo da burguesia de Brasília, avaliado como um dos lixos mais ricos do país? Vale dizer que a comida, largamente desperdiçada em casa de barão, estraga rápido e não vai satisfazer as barrigas dos espoliados catadores do lixão. É importante lembrar que comida estragada na farta geladeira do rico e na sua transbordante dispensa não é imprópria só pra você, mas para o pobre também, apesar da insistência que rico tem em doar (desovar) coisa estragada para pessoas pobres.
Bairro sustentável? Ecológico? Por que não mencionar as garagens enormes para satisfazer os fetiches de uma população que tem mais de 1,5 carro por pessoa? Não vão mencionar o impacto disso? Pior do que a política de destinar terrenos para pessoas pobres sem dar nenhuma estrutura para esse aumento populacional (um mote no governo Roriz) é destinar terreno pra barão, justamente porque produzem muito lixo e entopem as vias com seus carros, cada um no seu, ainda que fosse fácil um dar carona pro outro. Além disso, os ricos são espaçosos, cheios de exigência, e coisas que fazem com que um espaço onde cabem 100 ricos caiba, por baixo, 500 pobres.
Ecológico nada! Esse “bairro” (porque de bairro mesmo não tem nada, não tem alma) será erigido na base da devastação de uma reserva ecológica secular! Só se for bairro antiecológico. Ou então, se no livro de biologia do rico a floresta de concreto e aço e as nuvens de fumaça sufocante forem consideradas ecologia.
Além do mais, o mais importante e assombroso ainda está por vir à tona. Muitos dos que habitam aquele lugar já me alertaram sobre um vulto, ora negro, ora branco, ora cinza, enorme ou pulverizado em multifocos, que traz consigo atmosfera de inferno e lembrança de morte, vagando a esmo, errante por toda aquela região. Os nativos dali não o temem, e nem teriam porquê, pois esse vulto pestilento alega ser o seu sentinela. Sim, ele jurou amaldiçoar aquela terra e o que quer que esteja ou se erga sobre ela. É o espírito que guarda aquela terra, e os que com ela se relacionam em reverência e em amor. É o espírito ancestral de todos os que habitam o santuário indígena e por ele zelam. A terra responde como seio, de acolhida e de alimento, com canto coral de expressão da Natureza-Mãe, ofertando saúde, alegria e paz para aqueles que a ela pertencem. Aos que não sabem do que estou tratando, é sobre o que mais importa e é, contudo, sobre o que menos tem recebido importância. É que existe nada menos do que uma aldeia, composta por diversas etnias indígenas, de gerações sobre gerações. Em vez de ser tombado como patrimônio cultural do cerrado, o que querem desse micro-universo é que vá para o olho da rua – sim, para depois um bando de boy queimá-los vivos em praça pública.
Fiquei muito feliz com essa história, aliás, com o final que ela teve. Pensei que seria bom compartilhar com todos os que visitam aqui o carta. A ação saiu em dois jornais diferentes - correio e unb. Confiram.
É de sentir o ego exaltar-se até os céus. Imagina só: ter o poder sobre a criação. Vamos supor que você tem o poder da criação. Que você tem o poder de criar qualquer coisa. Até mesmo o poder de fazer o ser humano voar! Alguém do passado me levou a sério nesse aparente devaneio. Valeu Santão! Dumont brasileirão botando a humanidade pra fazer inveja nos pássaros mais velozes! (nem tanto... mas a idéia é essa)
“E o faremos à nossa imagem e semelhança” é o que diz a narrativa bíblica quando Deus tem a idéia de criar o ser humano. “E Deus criou o ser humano e viu que era muito bom”.
A narrativa segue dizendo que o ser humano estava sendo designado para cuidar do planeta, e de fato o ser humano é o animal dominante na Terra. Mas olha só o que a humanidade faz! Parecemos os mais irracionais de todos os seres! É só parar pra pensar e logo se fica saturado das irresponsabilidades humanas. Acho que isso, por exemplo, não seria a semelhança com Deus. Mas uma característica humana que carrega algo mágico é a seguinte: olho pras sementes de uma fruta na minha mão. Penso em tratá-las com carinho e as coloco numa terra apropriada. Dou alimento, dou água, protejo. Algum tempo depois eu olho a pequena muda e vejo que saiu da forma como imaginei. Assim foi com Santos Dumont e seu pássaro mecânico, quando ele deu certo.
Trabalho. A capacidade de imaginar, fazer o caminho quase todo na mente, prever o resultado, por em prática, e ver acontecer. E dizer, à imagem e semelhança do texto: ver que ficou muito bom.
Tudo isso, na verdade, só pra parabenizar a nós mesmos pelo nosso dia: Trabalhadores! A vida se faz nas vias da força que despendemos todos os dias! Olho pras minhas mãos e vejo concentrada a essência mágica da produção e reprodução da vida humana.
Agradeço por ser mulher Agrada-me que digam que sou histérica, porque então posso jogar os pratos na cabeça de quem me causa sofrimento. Gosto que me chamem de bruxa, porque então posso mudar a direção dos ventos a meu favor. Gosto que me chamem de demônio, porque posso queimar o leito onde me abusam. Gosto que me chamem de puta, porque então posso fazer amor com quem me dá vontade. Gosto que digam que sou frágil, porque me lembram que a união faz a força. Gosto que digam que sou fofoqueira, porque nada do que é humano me será alheio. Porém, o que mais agradeço, o que mais me agrada, o que eu mais gosto e o que me faz mais feliz é que me digam que sou louca, porque então nenhuma liberdade me será negada. Agrada-me saber que meu cérebro é menor que o cérebro do homem, porque então meu cérebro cabe em todos os lugares. Agrada-me que me digam que careço de lógica, porque então posso criar uma lógica menos fria e mais vital. Agrada-me que digam que sou vaidosa, porque posso olhar-me no espelho sem me sentir culpada. Agrada-me que me digam que sou emocional, porque posso chorar e rir à vontade. Mil e uma vezes a Inquisição me queimou e aprendi a nascer das cinzas. Prenderam-me em um harém e, enclausurada, não deixei de rir. Colocaram um cinturão de castidade e adquiri a arte de um serralheiro. Carreguei fardos de lenha e me fiz forte. Cobriram-me o rosto com véus e aprendi a olhar sem ser vista. Os filhos me acordaram à meia-noite e aprendi a manter-me em vigília. Não me enviaram à Universidade e aprendi a pensar por minha conta. Transportei cântaros de água e soube manter o equilíbrio. Extirparam-me o clitóris e aprendi a gozar com todo o corpo. Passei dias bordando e tecendo e minhas mãos aprenderam a ser mais exatas que as de um cirurgião. Ceifei o trigo e colhi o milho, porém me roubaram a comida e com fome aprendi a viver. Sacrificaram- me aos deuses e aos homens, e voltei a viver. Espancaram-me e perdi os dentes, e voltei a viver. Assassinaram- me e me ultrajaram, e voltei a viver. Arrancaram de mim meus filhos e, no pranto, voltei à vida. Agradeço por ser um animal, porque os homens colocaram em perigo a sobrevivência do planeta. Agradeço por ser mulher porque o homem não é o centro do universo e sim apenas mais um elo perdido na cadeia da vida. Agradeço que me digam que sou irracional, porque a razão tem conduzido aos piores atos de barbárie. Agradeço por não ter inventado a tecnologia, porque ela tem envenenado a água e o ozônio. Agradeço que me tenham colocado mais perto da natureza, porque nunca estarei só. Agradeço que me tenham confinado ao lar e a família, porque posso fazer de toda a Terra meu lar e minha família. Estou feliz que me chamem de dona de casa, porque posso apoderar-me da minha. Estou feliz de não ser competitiva, porque então serei solidária. Estou feliz de ser o repouso do guerreiro, porque posso cortar-lhe o cabelo enquanto dorme. Estou feliz de ter sido excluída do campo de batalha, porque a morte não me é indiferente. Estou feliz de ter sido excluída do poder porque longe do poder me distancio da ambição e da cobiça. Estou feliz que me tenham excluído da arte e da ciência, porque as posso inventar de novo. Com tanta fortaleza acumulada, com tantas habilidades e destrezas aprendidas, mulher, se tentar conseguirá o mundo do avesso. - (Texto de autoria desconhecida. Supõe-se ser de uma sindicalista da Guatemala)
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Aqui se pretende discutir o que não se discute nas cartas marcadas, e quando o assunto é o mesmo, o olhar é o outro, de quem não tem rabo preso a ninguém.
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