quinta-feira, 23 de maio de 2013

Vinte e dois caeme só



Saio de casa
- Me sinto impotente -
O mundo nas costas, me sinto um fracasso.
Ao longe eu já vejo que me encara a subida mais íngrime
Se eu valho tão pouco, então é pouco o que tenho a perder
Monto a bike e em frente. E enfrento de cara a subida.
De tanto ser pesado, rola o mundo diretamente das minhas costas ladeira abaixo.
Ao pé da subida, já posso enxergar umas luzes no cume.
Pedalo e, debaixo, encaro a subida nos olhos.
Subo por seus peitos e lhe arranco o respeito
Sequer eu lembrava que é uma subida que tem umas costas de fazer voar

A cinquenta caeme só

Largo o guidão. E abro meus abraços. De que vale qualquer segurança
Se a cinquenta caeme não há garantias
Só vento.
Só vida.
Só eu.

Aterriso ao final da subida que deixei pra trás
E pedalo.
Eu nem vi quando estava tão longe de casa, tão longe de tudo,
Tão longe de um eu que eu deixei para trás.
Que caiu da garupa. Que rolou pela estrada.
Eis que estou leve, eis que estou novo.
Eis que minha boca está seca e paro.
E eu nunca bebi uma água tão boa.

Sigo girando, a exemplo do mundo.
Por uns cantos sem prédios, sem casas, sem gente.
E os carros que rasgam a paisagem nem sabem
Nem sentem o perfume da mata
Nem sofrem o gelo dos ares, da noite de Brasília
Prenúncios do inverno no qual fui forjado

Os altos e baixos da vida são outros agora
As baixas são vôos, cinquenta caeme
E o alto só vem com esforço, não há privilégios
E não importanta a fadiga, pois cada pedalada adquire um valor singular
E eu sinto que subo, que subo, e subir é um lema, é o alvo
O subir é maior que a subida.


Nem vi que estou alto
E de onde estou vejo a cidade, o país
- Me sinto imponente -
E realizo que de pedal em pedal
Eu posso ir a qualquer lugar do mundo.

Inspiro o ar, inspiro o ar
E quem sabe de tanto inspirar
Não acabo inspirando o luar
Mas de tanto tentar inspirar o luar
Sabe quem o luar que me inspira

Faz quase uma hora de giro
O bastante para uma existência infinita.
E eu nem sinto mais que pedalo
Sou uma unidade com minha bicicleta
Uma simbiose de presilhas

Eu nem sinto mais que há os carros
Eles nem me pressionam
Só eu que pressiono o pedal
Que me cede o mover
E eu orbito de catraca em catraca
E desenho um sistema solar entre os eixos da bike

Eu nem vi que estou perto de casa
Eu fui e voltei, e trouxe de volta o meu eu
E em meio a endorfina e suor
Encaro do alto o que era a subida
Que me brinda o esforço com uma decida olímpica
A sós, a cinquenta caeme.

Ortegal
 
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