quinta-feira, 5 de abril de 2012

Por que sim à paridade

Compartilho aqui o texto do Pedro Mesquita sobre a paridade na UnB! Informe-se!!
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Por que sim à paridade: resposta ao professor Paulo Celso dos Reis Gomes
Pedro Mesquita de Carvalho[i]

Numa tentativa tímida de qualificar um pouco ou esquentar o frio (ou esfriado) debate sobre a paridade, foram publicados no dia 02/04/2012, no site da Secretaria de Comunicação da UnB (SECOM) artigos de professores pró e contra a paridade. A questão está na ordem do dia, no entanto, além do esvaziamento do debate, (principalmente entre os alunos) os pontos discutidos nunca dão conta de abarcar totalmente a questão, pois pelo que percebemos a Universidade ainda caminha lentamente no que tange às suas atribuições políticas e educacionais. Ressalvo apenas que as tais “funções políticas da Universidade” não se ligam diretamente a questões partidárias, embora elas existam e sejam de alguma forma importantes, principalmente para os que acreditam nesse caminho, que não é o meu caso.
O panorama da questão na UnB se configura em um estado de coisas bastante complexo, levando em consideração os primeiros passos para a paridade terem sido reconquistados a pouco tempo, estando fundamentalmente ligados aos processos políticos recentes na Universidade. Ao que parece, a situação dos alunos é a mais problemática, mesmo sendo a esmagadora maioria da comunidade acadêmica, sobretudo nesses quatro anos de implantação do REUNI e expansão da UnB. O DCE “parlamentarista” esvazia o debate político entre os estudantes, concentrando tudo no CEB, legitimado pelas “pseudo-lideranças” estudantis, que parecem ter se adaptado muito bem a essa nova configuração. Um reflexo negativo da política conduzida pelo DCE (com relativa culpa da gestão passada) é o fato de que o instrumento mais democrático, fundamental e pedagógico da política estudantil ter sido, de uma ora para a outra, esquecido. Deve fazer mais de um ano que não temos uma Assembleia Geral dos Estudantes, temos pelo menos três gerações de calouros que não fazem ideia do que é uma Assembleia Geral, fato que deve estar agradando muita gente. No momento que os estudante se tornaram uma expressiva força na política educacional, seu principal órgão de “representatividade” se recolhe, enfraquecendo e desmobilizando a atuação estudantil.
Se colhermos alunos a esmo pelo CEUBINHO ou UDFINHO, nas Faculdades e Institutos, pouquíssimos vão poder responder alguma coisa sobre Paridade, Autonomia Universitária ou eleições para Reitor. Por algum motivo a atual gestão esperou até os seus últimos instantes para apresentar o debate sobre a Paridade e o Congresso Estatuinte. Depois que muitos alunos, sobretudo os que participaram da ocupação da reitoria em 2008, que estavam atuantes nos debates, se formaram e saíram da Universidade. Triste encaminhamento de processos tão importantes para o futuro da Universidade de Brasília e do ensino superior brasileiro.
Sobre os artigos dos docentes, que participam nessa semana do plebiscito sobre a paridade, a ser realizado nos três segmentos, gostaria de me deter no artigo do professor Paulo Celso dos Reis Gomes, que se posiciona contra a paridade[ii]. Em seu artigo, o professor se pretende a responder perguntas e esclarecer o seus argumentos. Escolhi alguns deles para traçar opiniões.
No primeiro ponto, o professor responde qual modelo considera melhor, expondo seus motivos. Nas primeiras linhas o professor apresenta duas frases, uma delas brilhante por sinal, precedida de outra infeliz e contraditória. Afirma o professor: A universidade não está aqui somente para servir aos seus funcionários, professores e alunos, e sim a sociedade como um todo. A escolha do reitor deveria ocorrer pela realização de uma seleção interna com análises de currículos de acordo com a demanda da universidade.
De início, se não continuasse lendo as linhas apresentadas concordaria prontamente, a Universidade não existe para servir apenas “funcionários, professores e alunos”, mas sim a Sociedade como um todo. Esse ponto me leva a considerar paradoxal a frase seguinte, onde o professor já aponta uma sugestão radicalmente reacionária, até mais do que o modelo que centraliza o poder nos professores, defendido por ele. Sugere uma “seleção interna” para o cargo de reitor, ou seja, um modelo ainda mais restrito e fechado para seleção do Magnífico. Ora, se a Universidade detém importância para a sociedade em geral, seria justo que o processo fosse o mais amplo possível. Arrisco dizer que não apenas professores, alunos e funcionários devessem ter ampla participação, mas também “a Sociedade como um todo”; a comunidade deveria influenciar na escolha do reitor. O que entendemos é que as “demandas” da Universidade não podem ser definidas por um corpo fechado de professores, pois as demandas da Universidade são definidas pela sociedade envolvente. A assustadora proposta do professor aumenta ainda mais o risco à democracia e o fortalecimento do que ele chama de “corporativismo”.
O prof. Paulo Celso continua argumentando que essa escolha “colegiada” deve se definir por demandas pontuais da Universidade; num momento ela precisaria de um grande cientista à frente, em outro um grande administrador e etc. Se seguíssemos essa lógica não poderíamos ter professores à frente de nenhuma diretoria ou chefia de Instituto ou Departamento, só, claro, na Administração. Um engenheiro pode ser diretor da Faculdade de Tecnologia? Um Historiador pode dirigir o Instituto de Ciências Humanas? São perguntas parecidas e pertinentes, se partimos do ponto de vista do prof. Paulo Celso. Ou seja, qualquer professor que nunca tenha feito nenhum curso de “gestão pública”, por exemplo, tem capacidade de dirigir uma unidade acadêmica? E outra, um Engenheiro, que não tenha nenhuma experiência na Faculdade de Educação, pode ser um professor, um educador?
No segundo ponto Paulo Celso defende que o professor é o verdadeiro protagonista da Universidade. Para isso afirma que nos três pilares do ensino superior os professores seriam a “ponta de lança” do ensino, da pesquisa e da extensão. Para todas essas ações a presença de alunos e funcionários e fundamental, inclusive, segundo os estatutos da UnB servidores podem orientar projetos de extensão, só que sem poder pedir bolsas. Isso explica em parte por que a grande massa dos projetos de extensão é coordenada por professores. O servidor que coordena projeto de extensão não tem possibilidade de dar continuidade ao projeto, pois em decorrência dessa visão centralizadora dos professores, só os projetos deles podem receber recursos. E ainda, se conferirmos, por exemplo, as atribuições do cargo de Técnico em Assuntos Educacionais na tabela de cargos do MEC, constam, entre outras “coordenar pesquisas e projetos de extensão”. O quer ocorre é que os professores concentram as pesquisas e os projetos, por isso que estão à frente da vasta maioria deles. Essa é uma das explicações desse suposto “protagonismo” dos professores. São ainda inúmeros os casos de estudantes que propõe projetos de extensão e oferecem a professores para coordená-los (quem dera pudessem eles mesmos coordenar esses projetos).
Continua o professor dizendo que a participação dos alunos é “historicamente” pequena. Sem querer, por risco de preconceito, cobrar entendimento histórico de um engenheiro vou apenas cobrar um pouco de entendimento e percepção contemporânea. Os estudantes tem sido, a despeito de todas as ações contra eles, historicamente, os maiores participantes dos processos na universidade e na sociedade. Foram os estudantes que ocuparam a reitoria em 2008 para cobrar da Universidade (omissa) posição a respeito da enxurrada de denuncias da administração Thimothy/ Mamiya; foram esses mesmos estudantes que, juntos com os movimentos sociais ocuparam a Câmara Legislativa do DF para lutar contra um dos esquemas de corrupção mais bem documentados da História do Brasil, derrubando o Governador do Distrito Federal; são os estudantes que mais participam dos debates científicos e sociais do Brasil atual, como o Código Florestal, as hidrelétricas, a Reforma Agrária, a Especulação Imobiliária versus o direito à moradia, a destruição do meio ambiente e o desrespeito aos direitos humanos no Distrito Federal. Além disso, são os estudantes o segmento que confere maior visibilidade para a Universidade. Se analisarmos as matérias jornalísticas dos últimos anos que se referem à Universidade, vamos constatar que a maior parte se refere aos estudantes, desde suas participações políticas às questões comunitárias como os trotes, por exemplo.
Outro argumento do professor seria o “tempo de permanência” do estudante. Segundo ele, por “ficar em média de 4 a 6 anos” na Universidade não teria direito ao voto paritário. Em primeiro lugar não é só o professor que teoricamente permanece na instituição, os servidores também. Podemos perceber que existe no discurso dos professores a invisibilidade dos funcionários, que parecem apenas máquinas dentro da instituição. Os funcionários são historicamente invisibilisados e diminuídos pelos professores, que continuam hierarquizando e segmentarizando tudo dentro da Universidade. Ilustrativa é a questão do “ponto eletrônico”. Pretende-se impor ponto eletrônico para os servidores da UnB. Ora, os professores não são servidores da UnB? Embora não queira assumir, o professor é um servidor público como qualquer outro, regulamentado pela mesma lei. Se vamos implantar ponto eletrônico na área administrativa, por que não na área acadêmica? Por que não um em cada sala de aula para comprovarmos se o professor está mesmo dando as aulas? Se ele falta ou coloca seu orientando/ assistente para substituí-lo? No entanto, posso adiantar que essa também é uma discussão sem sentido. A questão é: como se configuram e como melhorar as relações trabalhistas e a eficiência na Universidade? Levando em consideração que a Universidade é uma Instituição de Ensino, uma Escola autônoma, e não uma repartição pública qualquer. No caso da Universidade, temos entre o corpo docente especialistas de diversas áreas do conhecimento, principalmente as Ciências Humanas, que dedicaram todos os seus anos de estudo exclusivamente ao tema do Trabalho. Será que as soluções que a Universidade pode oferecer são apenas essas que foram apresentadas?
Voltando à questão da permanência do aluno, o próprio professor Paulo Celso é uma prova viva contra seu argumento. Aluno formado pela UnB, agora é professor. Essa situação pode ser constatada tanto entre os funcionários como entre outros docentes. Além disso, o tempo de duração de um mandato de reitor coincide com uma graduação, se essa for a preocupação do Professor. Porém a questão não é essa. Como ele mesmo colocou isso é de interesse de toda a Sociedade, sendo mais que legítimo que o estudante ou funcionário se interessem em participar de forma qualitativa e representativa. E claro que quanto menos influenciarem no processo, menos vão se interessar por ele, dentro ou fora da universidade.
Mas é no ultimo ponto que o Professor finalmente assume o que está por trás disso tudo, dessa reação à paridade. O professor tem medo do aluno, e essa é uma situação perigosa para uma instituição educacional. Para Paulo Celso, a UnB tem, atualmente, em torno de 60 mil alunos, 7 mil técnicos e 2,5 mil professores. No voto universal, 15% dos alunos podem decidir os rumos da universidade. O voto paritário ou universal exigiria que o professor descesse do seu pedestal para dialogar com funcionários e alunos. Exigiria que o professor ouvisse, colaborasse, cedesse e cooperasse. Enfim, exigiria que o professor reconhecesse os alunos e funcionários como importantes atores do processo político da Universidade, reconfigurando todo cenário de alianças e articulações, destituindo confortáveis corporativismos. Acredito que a paridade é necessária, mas é um passo apenas. Não sei o próximo seria o voto universal, mas creio que vários segmentos importantes estão fora do processo, mesmo o paritário. Por que a Sociedade não pode participar da escolha? Os núcleos de extensão? As diversas comunidades que a UnB estabelece parceria pelo Brasil afora? O que está por trás da postura anti paritária é, no fim das contas, muito simples, o professor perde o poder concentrado ao longo desses anos. Observando aonde a Universidade pública chegou, podemos constatar o fracasso desse modelo centralizador. Uma Universidade cega, surda e muda; que abre mão da sua Autonomia e que atende aos interesses do mercado e do Estado, virando as costas para a Sociedade. Como mudar isso? Segundo um grande professor fundador da UnB, em discurso sobre a Universidade de Brasília em 1968, ao falar sobre a participação dos estudantes na Universidade afirmou: Se os alunos brasileiros realmente tivessem força, tivessem audácia, se, os alunos brasileiros tivessem plena confiança em si próprios, o melhor que fariam era um dia fechar as universidades aos professores, e pôr aqueles que soubessem mais a ensinar os que soubessem menos. E, porventura, essa Universidade ficaria muito melhor do que a que existe atualmente[iii].


[i] Historiador formado pela UnB e servidor Técnico em Assuntos Educacionais da FUB.
[iii] SILVA, Agostinho da. Universidade: Testemunho e Memória. Brasília, Universidade de Brasília, 2009, p.56.
 
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