terça-feira, 6 de agosto de 2013

Os protestos de junho podiam ser previstos?



Texto: Danilo Silvestre*
Foto: Denis Silvestre


Foi comum lermos e ouvirmos que as grandes manifestações realizadas em junho pegaram o governo, a Fifa e o mundo de surpresa. A pergunta que fica é: a ocorrência dos protestos realmente podia ou não ser prevista? A resposta é que sim e que não, como tento demonstrar nesse texto.
Nenhum governante pode dizer que não esperava que ocorressem protestos em junho. Em relação à Copa das Confederações e à Copa do Mundo, existem os Comitês Populares da Copa, que contam com a participação de diversos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, por exemplo. Tais Comitês lutam contra o legado negativo da Copa, tais como as remoções de moradores para construção de avenidas e outras obras relacionadas aos eventos e a privatização dos estádios depois de terem consumido bilhões de reais de dinheiro público.
Além disso, diversos governos municipais e estaduais, como os de São Paulo e Rio de Janeiro, haviam adiado o reajuste das tarifas dos transportes coletivos para junho, como uma forma de combater a inflação. E as lutas contra o aumento das tarifas, passe livre estudantil e tarifa zero no transporte coletivo são algo constante em diversas cidades, sendo costumeiramente liderado pelo Movimento Passe Livre (MPL), assim como foi na cidade de São Paulo. Ou seja, não existem razões para dizer que a realização de protestos em junho era imprevisível, pois não era. O fato novo aqui é que Porto Alegre acabara de sair de uma luta vitoriosa em que o aumento das passagens foi revogado.
No entanto, os protestos de junho também foram imprevisíveis, no sentido de terem sido grandes mobilizações de massa e bem radicalizados, extrapolando o público ligado aos movimentos sociais e fazendo que, em muitos casos, as reivindicações fossem difusas e, até mesmo, contraditórias, como pessoas a favor e contra a redução da maioridade penal na mesma manifestação.
Outro ponto importante é que as manifestações cresceram após a repressão e a tentativa de criminalizar os manifestantes, o que foi rechaçado por meio das Redes Sociais, dentre os quais se destaca a tentativa de criminalizar os integrantes do Grupo Brasil & Desenvolvimento, de Brasília, e a forte repressão aos jornalistas em São Paulo. Este ponto era imprevisível por ser algo novo, mas não inédito. Na mesma cidade de São Paulo, a Marcha da Maconha foi duramente reprimida pela Polícia Militar e ganhou mais corpo com a Marcha da Liberdade, que é um movimento pela garantia da liberdade de expressão e manifestação.
O que fica como lição é que chegou o momento do Brasil tratar mobilizações e movimentos sociais como eles realmente são: pessoas e grupos em busca de direitos e com algo a dizer, e não como criminosos. As redes sociais fazem (ou podem fazer) com que o Estado tenha seu Big Brother, estando em constante vigilância, o que faz com que abusos por parte do poder público não sejam tolerados tão facilmente e nem que as informações sejam apenas repassadas pelas fontes oficiais, mas por toda e qualquer pessoa, fazendo com que a comunicação seja mais democrática e plural.

 

*Danilo Silvestre é cientista político pela Universidade de Brasília,
publicitário e técnico de comunicação social na CEB Distribuição

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Vinte e dois caeme só



Saio de casa
- Me sinto impotente -
O mundo nas costas, me sinto um fracasso.
Ao longe eu já vejo que me encara a subida mais íngrime
Se eu valho tão pouco, então é pouco o que tenho a perder
Monto a bike e em frente. E enfrento de cara a subida.
De tanto ser pesado, rola o mundo diretamente das minhas costas ladeira abaixo.
Ao pé da subida, já posso enxergar umas luzes no cume.
Pedalo e, debaixo, encaro a subida nos olhos.
Subo por seus peitos e lhe arranco o respeito
Sequer eu lembrava que é uma subida que tem umas costas de fazer voar

A cinquenta caeme só

Largo o guidão. E abro meus abraços. De que vale qualquer segurança
Se a cinquenta caeme não há garantias
Só vento.
Só vida.
Só eu.

Aterriso ao final da subida que deixei pra trás
E pedalo.
Eu nem vi quando estava tão longe de casa, tão longe de tudo,
Tão longe de um eu que eu deixei para trás.
Que caiu da garupa. Que rolou pela estrada.
Eis que estou leve, eis que estou novo.
Eis que minha boca está seca e paro.
E eu nunca bebi uma água tão boa.

Sigo girando, a exemplo do mundo.
Por uns cantos sem prédios, sem casas, sem gente.
E os carros que rasgam a paisagem nem sabem
Nem sentem o perfume da mata
Nem sofrem o gelo dos ares, da noite de Brasília
Prenúncios do inverno no qual fui forjado

Os altos e baixos da vida são outros agora
As baixas são vôos, cinquenta caeme
E o alto só vem com esforço, não há privilégios
E não importanta a fadiga, pois cada pedalada adquire um valor singular
E eu sinto que subo, que subo, e subir é um lema, é o alvo
O subir é maior que a subida.


Nem vi que estou alto
E de onde estou vejo a cidade, o país
- Me sinto imponente -
E realizo que de pedal em pedal
Eu posso ir a qualquer lugar do mundo.

Inspiro o ar, inspiro o ar
E quem sabe de tanto inspirar
Não acabo inspirando o luar
Mas de tanto tentar inspirar o luar
Sabe quem o luar que me inspira

Faz quase uma hora de giro
O bastante para uma existência infinita.
E eu nem sinto mais que pedalo
Sou uma unidade com minha bicicleta
Uma simbiose de presilhas

Eu nem sinto mais que há os carros
Eles nem me pressionam
Só eu que pressiono o pedal
Que me cede o mover
E eu orbito de catraca em catraca
E desenho um sistema solar entre os eixos da bike

Eu nem vi que estou perto de casa
Eu fui e voltei, e trouxe de volta o meu eu
E em meio a endorfina e suor
Encaro do alto o que era a subida
Que me brinda o esforço com uma decida olímpica
A sós, a cinquenta caeme.

Ortegal

quinta-feira, 21 de março de 2013

Coração de Pit Bull



Não foi apenas uma década de convivência. Amizade e companheirismo não são apenas contato ou presença. Uma década de edificação, formação... éramos eu e você dois filhotes quando passamos a viver juntos. E antes de mim, era você e seu irmão. Eu sei porque escolhi você, na verdade. Te escolhi porque enquanto brincávamos todos, você agarrou um paninho e não soltava de jeito nenhum. Levantamos o pano, e você saiu do chão junto com ele. Eu tinha que decidir rápido, vocês dois eram parecidos pra eu tomar decisão. Sua determinação pelo pano me fez te escolher. Saí daquela casa feliz. Escolhi o cachorro que melhor se agarrava ao pano. E quem diria que essa era a menor de suas qualidades?
A primeira lição que eu poderia dizer que aprendi com você arremata a mandala da minha vida contigo. Hoje, aqui, na flagrante ausência sua aqui do meu lado, percebo você me ensinando ao longo de uma vida inteira o quanto você era mais que uma mordida em um pedaço de pano. O quanto você foi bem mais. Olhando melhor, acho até que aprendi isso cedo. Ou quem diria que o pit bull que melhor se agarrava ao pano não aprendeu a escalar, e que sua mandíbula, por forte que fosse, vacilava como a de um cachorro qualquer ao brincar de puxar? O filhote feroz pendurado no pano deu lugar ao jovem lambão. E eu me lembro bem quando isso começou, naquele dia qualquer, que ficou eternizado em minha memória, de quando você veio do nada e me lambeu. Eu gostei, dei risada, e você de pronto continuou aquela brincadeira com sua linguinha macia de filhote e nos divertimos bastante naquele momento. Eu jamais iria pensar que aquela minha reação iria consolidar para sempre o cachorro mais lambedor que eu vi na minha vida. E isso era só um exemplo, exemplo do cão de caráter, de qualidades profundas que você foi.
Como já disse, companheirismo é bem mais do que convivência. E uma década tendo você como companheiro me deixou de legado um coração de pit bull. E para o caso de algum babaca estar lendo essa carta – engraçado como nós passamos a vida inteira nos precavendo de babacas e até hoje não pára, hein! - eu explico com gosto, com ares de vitória, que o espírito de pit bull é maior, bem maior que atacar outro ser vivo e não soltar nunca. Eu posso explicar e dizer: todos os cães que mataram, mataram porque foram enganados e ensinados a fazer esse tipo de coisa, acreditando que faziam o que é certo. Eu não culpo os cachorros, que chegam a matar por cumprirem o que lhes fora ensinado que é certo. Por outro lado, tenho pena e mais pena, de toda a legião de humanos babacas que sabem o que é certo, mas por pura mediocridade, comodismo ou preguiça, continuam fazendo o errado. E existem também aqueles que simplesmente foram enganados, e acham, por isso, que o certo é o errado. Um exemplo são todas essas pessoas que acreditam piamente que os pit bulls são maus de natureza. Mas a verdade é que o coração de um pit bull não é um coração assassino ou cruel. É um coração extremamente determinado, e quando isso é canalizado para o bem, se segura que aí vem cachorro de lambidas irrefreáveis! E se a sorte for enorme como foi a minha, é um coração determinado até mesmo a acolher e conquistar, depois de velho, uma gatinha que insiste em lhe dar unhadas de lhe sangrar o focinho.
Confesso que te comprei. Paguei cem reais em você, mas confesso também que quem me ensinou que 'não se compra um amigo' não foi nenhum texto sobre veganismo dos muitos que eu li em minha vida, foi o amor invalorável que você me ofereceu. Você me deu, não a chance de burlar essa máxima e conseguir comprar um amigo, você me ensinou o que é Graça. De uma maneira que nenhum texto da Bíblia havia me ensinado antes. Comprei você, e você me ensinou que amigos não se compram, mas me deu a graça de ter sua amizade incondicional assim mesmo. O seu espírito, a sua garra de pit bull destruiu e despedaçou a visão de mercado que eu tinha dos cães na minha adolescência, com uma amizade determinada e insistente. Hoje você não está mais aqui. Mas me deixou seu legado. O seu coração determinado, focado. O significado da palavra perseverante é maior para mim do que para as pessoas comuns, depois que você me ensinou o que é com sua vida. Você é a subversão da brutalidade. E se você foi, eu também posso ser. E se alguém um dia me disse que sou casca grossa, certamente foi porque sua língua de lixa assim forjou minha pele.

terça-feira, 19 de março de 2013

Carta para poucos


Passados os rugidos de leão do dia que o Turco morreu, estranho em minha boca o aveludado das palavras que saem frágeis e amenas, como se saíssem de um coração que bombeia mais fraco, ou como se nem palavras eu tivesse mais para falar, ou mesmo voz. Da mesma forma me estranha o escrever no teclado, cheio de dedos, como se eu digitasse nas costas de uma criança que eu não pudesse acordar. O que ocorre é que minha alma está profundamente entristecida com a partida daquele cachorro. Profundamente triste, e acho que é de bom tom se entristecer um bocado no mundo de hoje, onde viver é ser assaltado e assediado pela condição do etéreo e do ópio, cada vez mais sofisticados, que nos livram da condenação à tristeza profunda, mas também retiram sutilmente o acesso à felicidade profunda, e nos desumanizam naquilo que mais nos constitui como vivos. O sentir.
E é justamente por sentir, sentir profundamente a presença, a felicidade e a companhia daquele cachorro é que me sinto profundamente entristecido e em crise, agora que ele se foi. Mas então se é por isso, aceito a condição e as consequências de amar justamente um cachorro, que de vida é um sopro ainda menor do que a vida de um humano. Mas é que a morte às vezes vem sem avisar, e como alguém que tem pressa, nos leva das mãos aqueles que amamos ainda mais cedo do que já iriam ao final desse breve hálito de vida que conduz à velhice. E quando isso acontece, dói. Dói se acontece com aqueles que amamos. E na medida com que amamos, e fomos felizes, e juntos tivemos uma paz singular de nós dois, e nos sentimos plenos e completos nesse encontro, com a mesma medida sofreremos a falta de tudo, independente de como lidamos com isso. A palavra crise, antes de assumir conotações de problema ou conflito, deriva de krisis, que por sua vez significa separar... o problema é o que decorre dessa separação.
Mas, sabe, é em meio a essa crise e a essa profunda dor, que também posso sorrir. Sorrir, e dizer para a morte que, se ela chegou pra matar, chegou tarde. Pois a dor é a prova de que juntos vivemos sentimentos tão fortes, que são eternos demais para serem medidos por tempo de vida. Isso é mais do que vida. E se eu lembro do ápice das estripulias daquele cachorro, então posso quase gritar, em meio a risadas e lágrimas, um ébrio, um deboche no meio da cara da morte.
Mas, passados os devaneios de uma felicidade e um amor que transcendem a morte, eu olho ao redor, e vejo que escrevo sozinho. Meu coautor não responde entre nós, e agora eu escrevo completamente desfalcado, pois antes, eu entrava com a escrita, enquanto ele entrava com o seu estar deitado no tapete aqui perto, e lambidas de meia em meia hora. Eu escrevo sozinho, eu me sinto sozinho de tudo e isso dói. E eu tenho passado triste pelos dias. Em crise. Querendo voltar no passado, achando que viver é ruim pois perdemos amores, querendo acordar de um péssimo sonho. E eu ainda tenho que conviver com a triste realidade de que tem gente me acha um fresco, um exagerado ou até mesmo um idiota, porque sofro com a morte de um cão. Mas era só um cachorro, me dizem, às vezes em palavras mais indiretas. Sinceramente, não sei o que deu nessa gente. E o pior é que é tanta gente. Poucos entendem. Foi o que uma amiga me disse e me deu segurança de me apossar da minha dor. E como diria Leminski, carrego o peso da dor como um homem que carrega medalhas. É o prêmio agridoce de sofrer por ter amado. Poucos entendem... por isso escrevo apenas para poucos, para os amantes, só para dizer que na verdade não escrevo sozinho. Que mais do que nunca, escrevo na parceria dos roncos e gemidos do meu velho amigo Turco, com a aspereza de sua língua rosada e enorme, que já não fazia surpresa à minha pele ressecada e peluda. O cachorro está comigo, está presente, e como bom companheiro, me lambe as feridas da alma, da falta que ele mesmo me faz.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O mais baixo de quê, Boris?



Há três anos atrás ocorreu um episódio chocante na televisão brasileira, e esse episódio gerou outro que, pelo menos pra mim, é mais chocante ainda. Foi numa véspera de ano novo, num jornal da Band, quando dois garis muito simpáticos pararam o rala pesado para desejarem um feliz ano com muita paz, muita saúde e muito trabalho. Lembra? (vídeo) Mal apareceu a chamada do comercial e Boris Casoy destilou: “Que merda... dois lixeiros.. desejando felicidades do alto das suas vassouras.. o mais baixo da escala do trabalho...” até que um funcionário do jornal avisou o vazamento de áudio. Hoje em dia imagino... o que será que ele continuaria a falar sobre os lixeiros se ninguém o tivesse parado? Talvez alguma teoria de que deveríamos escravizar essa gente.. não sei. Não duvido da criatividade daquele tiozinho fascista.
Na época, escrevi um texto realmente indignado sobre o assunto, e ao final puxei um Movimento Fora Boris. Outras pessoas fizeram o mesmo, cada uma ao seu jeito. É claro que não somos grandes como a Band, mas vai que essa coisa se torna um viral? Se “Luiza está no Canadá” conseguiu, quem sabe a gente não consegue 10% disso? Entidades sindicais processaram o jornalista, a nossa juventude memória de peixe se indignou na internet por algumas horas, o jornalista pediu asquerosas desculpas, e nada mudou, exceto pelo fato de que no mês passado a Justiça de São Paulo condenou Boris a pagar míseros 21 mil reais a um dos garis, três anos depois, por danos morais. Enquanto isso, Rafinha Bastos paga R$ 150 mil a Wanessa Camargo. Pelo visto a moral e a honra de um gari valem menos aos olhos da nossa Justiça. Na verdade, Boris teria que ter pago também era uma boa quantia a alguma entidade de utilidade pública, afinal foi um dano à saúde de todos nós.
No meio das lutas do povo, a frase “jamais esquecer” é como uma máxima, em razão do perigo da volta de nossos algozes. É como a lição do Jumento Saltimbanco: “os humanos, eles sempre voltam”. E nós não podemos nos esquecer que aquele velhinho do jornal que parece ser inofensivo, na verdade tem nojo dos pobres, e foi um comparsa da ditadura militar no Brasil. E se o vídeo é chocante, como eu havia dito no início do texto, o que me parece mais chocante é saber que esse calhorda continua ao vivo, alimentado pelos milhões de brasileiros que simplesmente... esqueceram.
Lembrar desse caso era uma das razões de escrever esse texto. E a outra, é comentar o que ocorreu esses dias em algum lugar do Brasil, do lado da sua casa. A população de duas cidades brasileiras jogaram quilos e quilos de lixo em frente à prefeitura da cidade. Aconteceu em Belford Roxo e em Várzea Paulista. Atraso de pagamento e descaso por não ter sido reeleito são algumas das razões para a paralisação dos garis das cidades. O mais baixo da escala do trabalho? Aguarde três dias sem coleta de lixo e veja só o que seu bairro se torna. Agora, imagina o que seria varrer o William Bonner, o Boris Casoy, o Carlos Nascimento e o Datena do ar por um mês?

Feliz ano novo! Aos garis e a todo o meu povo!

Leonardo Ortegal é assistente social, mestre em política social e colunista do Jornal O MIRACULOSO
 
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