terça-feira, 23 de novembro de 2010

Dia da Consciência Negra

Não sei se todo mundo sabe, mas o dia dedicado ao povo negro já foi outro. Era a data da abolição da escravatura, aquela formalidade protagonizada pela princesa Isabel. Depois, por causa da luta do movimento negro, essa data foi repensada e hoje é a data em que Zumbi supostamente morreu. Eu não tive tempo de fazer algo novo para essa data, e ela inclusive já se passou. Mas reciclar é bom, melhor que essa filosofia descartável, onde se descarta até mesmo o que escreve e as palavras não possuem mais valor, e por isso eu compartilho com vocês uma postagem antiga. Espero que gostem.


A herança dos assaltos de Palmares



Andei um tanto ocupado esse últimos dias com a greve, e aí acabei não dando a visibilidade que acho que esse dia merece. Na verdade não é só por merecimento, é por amor mesmo. Meu sangue ferve e até as lágrimas descem quando o assunto é o povo preto.

Acabei não escrevendo no dia, mas é como acabei de dizer: eu preciso dar Visibilidade a esse tema.

Há um bom tempo atrás, mais de uma década, o instituto DataFolha lançou uma grande pesquisa sobre a questão da desigualdade racial no Brasil. Os resultados acabaram dando a idéia exata ao título, e o estudo foi intitulado Racismo Cordial.

O que seria o racismo cordial? Vou tentar expressar o espírito do conceito com um dado* brutal: Apenas 5% das pessoas entrevistadas admitiram ter atitudes racistas, mas 95% das pessoas afirmaram que conhecem ao menos uma pessoa racista. Ou esses 5% são mais conhecidos que nota de dois reais, ou existe algo muito estranho entre os 95% restantes.

O racismo cordial é um tipo de racismo invisível. É como o vento que não se vê mas a todos se faz sensível. O racismo no Brasil é invisível, o genocídio negro persiste até hoje e segue invisível à maioria, o Dia da Consciência Negra ainda carece muito de visibilidade. Há uma luta já histórica de fazê-lo feriado, mas é uma luta que querem tornar invisível.

O dia 20 de novembro tem a ver com Zumbi e Palmares. E da intangível herança de Palmares, eu quero registrar apenas por alto os assaltos**. Um deles é a herança quilombo, e o outro, as cotas nas universidades e outras instituições.









Qual é a herança quilombo a que me refiro? Acredito que a maioria pensa em algo abstrato, alguma característica, etc. e tenho certeza que muita gente simplesmente desconhece o que vou falar: a herança quilombo são os próprios quilombos. Os quilombos que existem até HOJE. Mas agora o nome mudou um pouco, para Comunidades Quilombolas, ou Comunidades de Remanescentes de Quilombo. Existem comunidades de filhos, de netos e bisnetos de escravos até hoje no país, resistindo, lutando pela demarcação de suas terras que até hoje o Estado racista não reconhece o pertencimento. Para os mais desinformados, não muito longe do DF existem os Kalungas, um quilombo quilombo aqui nesse Goiás (do qual o DF finge que não pertence).

O outro assalto é a instituição de cotas para negros em universidades e outros espaços. É difícil de conceber, mas na universidade pública, a população negra era de apenas 2% do total, conforme revelava o Ipea. Hoje, com 20% das vagas, que muitas vezes são disputadas com brancos que querem nos destituir de nossa conquista chegando afirmar que são negros sem o ser, garantimos um espaço que já desencadeou um ciclo de transformações na sociedade brasileira.

E onde entra a herança do assalto nessa história? É basicamente o seguinte: tudo aquilo que a população afro-brasileira conquistou até hoje nessa terra desde que foi raptada de África foi de assalto. Nesse sentido, até a própria liberdade teve que ser tomada à força das mãos dos colonos. Quilombo foi a forma que os assaltantes da liberdade deram, quando a coletivizaram. E até a própria terra onde essa liberdade assentava seus pés teve que ser tomada dos opressores. Bem assim as vagas de estudo e trabalho. Chega de um povo apenas construir e o outro apenas usufruir. Vamos partilhar o segundo hábito, nem que seja pegando uma parte e dizendo: essa aqui é para este povo.


Viva Zumbi! Viva Palmares!

Viva esse pigmento que dá esse tom lindo à nossa pele, apesar das consequências!



* Eu arredondei 5% e 95% porque não lembro o número exato. Se eu não me engano é ainda mais acentuado, tipo 98% e 2%.

** Dois assaltos recentes estão registrados nesse blogue. Veja clicando aqui

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Quando nós somos o alvo do nosso protesto

Acaba que grande parte dos textos desse blog é sobre lutas. A luta por uma outra mídia e pela difusão de um outro pensamento que não ocupa os grandes espaços, a luta contra a corrupção, a luta por uma sociedade não apenas honesta, mas justa e igualitária, e por aí vai. Tem pessoas que encaram as lutas como sendo uma exigência que pesa nas costas. Mas eu sou, e quero sempre ser parte, daqueles que enxergam as lutas como sinônimo de sonhos. Talvez mais que sonhos, talvez elas sejam o caminho por onde se pode transformar esses sonhos em realidade. Sonhos e lutas, quase um só.

Mas existe um problema que é o seguinte, independente da visão que você tenha das lutas, elas são lutas e pesam. São pesadas, cansativas e arriscadas. Às vezes arriscam nos ferir no coração, isto é, matar a nossa esperança. E tem alguns tipos de lutas que temos que lutar, que significam lutar contra nós mesmos. Tem vezes que nós é que somos o nosso próprio inimigo. E é nessas horas que o desafio se torna real como nunca, e põe à prova até onde um guerreiro pode chegar.

E um desses desafios será alvo de luta no dia 26/11, e tem a ver com aquilo que usamos a maior parte do nosso tempo: roupas e acessórios.

Quem já viu a realidade do processo de extração de pele para a confecção de roupas sabe do que estou falando. Quem não sabe, que veja.



Com mais ou com menos crueldade se produz também a camurça, o nobuk, e o couro e lã.

Dia 26 de novembro é o dia mundial sem peles, e quem quiser pelo menos torcer por um mundo com menos dessa carnificina supérflua pode ser que tenha a si mesmo como próprio inimigo.

Espero que vença.
 
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