Uma catástrofe abalou um país por inteiro. Entre 50 e 100 mil pessoas faleceram, dizem estimativas. Como o corpo humano é algo frágil, vulnerável, cerca de 3 milhões foram atingidos, de acordo com a Cruz Vermelha. Os números são imprecisos, pois o caos é tão forte que não há como afirmar nada com um mínimo de certeza. O desastre foi enorme e os desdobramentos são muitos, mas um movimento me chama a atenção de maneira especial. É o convite trágico que ecoa por todo o mundo depois da notícia do terremoto.
O terremoto mesmo já passou. O problema agora é lidar com os milhões de desabrigados, com a falta de acesso a saúde, com a escassez de alimentos e água, e com a violência. Mas olha só que coisa interessante eu acabei de escrever sem querer: o terremoto, que é a novidade, já acabou. Agora olhe para os problemas que eu listei. O que há de novidade neles?
Os problemas que hoje são notícia no Haiti são antigos naquele país, assim como no Brasil e em vários países do mundo. E há séculos a coisa é assim. Mas então, o que foi que fez tudo parecer diferente essa semana? O terremoto é uma das respostas. A outra é a concentração e a intensidade com que tudo apareceu. De uma hora para outra, em menos de um dia, 50 mil mortes num pequeno país esquecido, por uma causa natural, um terremoto imprevisível. Junto com as mortes, outros milhares de feridos e soterrados, e milhões de pessoas ficaram sem teto.
Qualquer um sabe hoje essas cifras do Haiti, pois elas estão pipocando em jornais de todo tipo. Mas eu aposto se alguém se lembra que a estatística de mortes, só pela fome, gira em torno de 25 milhões de pessoas por ano no mundo; que o número de indigentes e miseráveis no mundo é de quase 2 bilhões; e que só no Brasil, ano a ano, mais de 120mil crianças com menos de um ano de idade morrem de fome ou causas equivalentes. Nem eu me lembrava de cor. E nessa semana, os problemas que antes eram um problema global pareceram se concentrar por inteiro no Haiti. E a tragédia do terremoto fez o seu convite.
Convidou as pessoas a olharem para um país subjugado. Um país que não tem pernas sequer para lutar pela paz, e a ONU tem mandar militares (?) para que a paz aconteça. A miséria desencadeada por um chacoalho de Gaia foi tão intensa, e o cenário é tão horrível, e as imagens e os números batem com tanta força, tanta força, que as pessoas foram convidadas a despertar o seu lado humano que andava adormecido. A solidariedade e empatia de voluntários reacenderam, aquele que se sentia um inútil por ali foi chamado a prestar uma ajuda de ouro. Gisele Bündchen doou um de seus vários milhões. Assim fez também Sandra Bullock, Federer, o tenista, organiza partidas beneficentes, e milhares de ricos ao redor do mundo pegaram uma parte de suas economias para fazer o que raramente costumam fazer, dividir um pouquinho de seu excedente com quem não tem nem para sobreviver. Até o Governo do Brasil, que mal dá conta de seus famintos e desabrigados, e nem das tragédias naturais como a de Angra que ano a ano se repetem nessa época, tão previsíveis quanto o nascer do sol de manhã, arranjou nada menos que 15 milhões de dólares para sair bonito nos jornais.
No sacudir daquela terra, ruiu uma loja de artigos de luxo, de coisas para os barões de lá. Mas o que importa agora as quinquilharias de luxo, se o filho dono está com a perna soterrada num bloco de concreto quando ia à padaria? A tevê de Lcd e o moderno computador de um barão se salvaram do acidente. Mas e daí, se as pessoas com quem ele amava utilizar essas coisas desceram à força pra debaixo da terra? E o que é pior, ele gastou tanto o seu tempo adquirindo e ostentando esses bens que acabou ficando cego para o valor daqueles com quem dividia a vida. Hoje impera o medo no Haiti, comerciantes temem ser saqueados. Mas o que importa agora? Um homem com faca enfrenta um com outro com pau na disputa pelos restolhos que encontraram em baixo de um escombro, relata um repórter da Folha de São Paulo. Será que nem assim se consegue aceitar o convite, se consegue enxergar que é o outro a chave da reconstrução, e não da destruição? O convite ecoa, mas se os gestos de solidariedade se resumirem apenas a dias de terremotos, enchentes ou desabamentos, a (des)humanidade continuará a caminhar como está.
8 comentários:
Não discordo de nada.
Mas o que me preocupa é a possibilidade de que um dia as pessoas percam até mesmo esses lampejos de humanidade.
Com certeza você tem toda a razão! De nada vale ajudar se seu status não vai aumentar com isso, digo, se você não vai sentir que está ganhando alguma coisa. Acredito realmente que seja assim que a maioria dessas pessoas pensem, e as ongs fazem organizações, e se manifestam em propagandas na televisão com a marquinha deles. Não a nem mais o que dizer.
E como sempre vale um comentário sobre a íncrivel qualidade do texto, a sagacidade do olhar... fazia tempo que não vinha, daí quando eu comecei a ler o artigo pensei que você tinha perdido o tino rapaz ahuahuahauhuaha, mas isso só me deixou foi com mais saudade das nossas conversas cabra! Abração leozinho! Ass: Marcelo da biblioteca kkkkk
Pessoal,
Quem quiser fazer alguma coisa que terá efeito certo naquela situação lamentável que é a do Haiti, eu vejo que a melhor via é mandando dinheiro mesmo. Essa semana mando uma parte.
Os dados são:
Agência 0647, Operação 003, Conta: 600-1 em nome do PNUD - Haiti.
Banco do Brasil na agência 1606-3, conta corrente 91000-7.
Quem quiser fazer uma transferência de dinheiro de seu banco para a conta no BB deve colocar o CNPJ 04 17 02 67/0001-71.
Divulguem!
Quando vejo todo esse esgoto produzido por essa mídia burguesa penso o seguinte:que meses atrás a mesma ONU estava matando a queima roupa haitianos,disparavam de cima de helicópteros de guerra contra haitianos,atiravam na cabeça com uma única intenção a de não deixar ninguém vivo,atiravam pra matar, as mesmas tropas especificamente as de países como Brasil,Argentina,Paraguai e Bolívia estavam condenando todos como traficantes,sequestradores etc.
Interesses políticos,econômicos de vários países como Brasil"um país de todos".O Preval atual presidente lá que é um tirano cretino,maldito,desalmado, enquanto os haitianos padessem ele se encontra com sua família na República Dominicana.
Penso que por conta das manifestações pacíficas do povo haitiano a ONU tenha ficado com medo e daí todo esse genocídio a essa gente.Paro pra pensar e encontro tanta coisa,racismo,negro e pobre pra burguesia é tudo igual é lixo,por isso acredito que somente com a ruptura,com a implosão desse maldito Estado burguês é que um dia seremos livres,seremos respeitados e quanto a caridade acho que nesse momento é importante ajudar,mas não somente agora como o Ortegal coloca no texto todas essas mazelas já existem a bastante tempo, e onde estão esses "misericordiosos" nessas horas?
O povo não pode aceitar migalhas o povo deve lutar pra desenvolver seus mecanismos de sobrevivência...
e por ai vai!!
Tô com sono depois comento com mais calma,já nao estou conseguindo pensar...hahah
abraço a todos!
Olha o que o alemão falou:
EUA, França e Brasil disputam hegemonia no Haiti, diz 'Spiegel'
Enquanto os haitianos lutam por sobrevivência após o devastador terremoto da semana passada, os Estados Unidos, a França e o Brasil estão "brigando pela predominância" no país, diz um artigo publicado no site da revista alemã Der Spiegel.
O artigo, assinado pelo correspondente da revista em Londres, Carsten Volkery, diz que o governo haitiano acompanha esse desenrolar "desfalecido".
Como exemplo da disputa pela predominância no país, a revista cita a decisão do presidente haitiano, René Préval, de passar o controle do aeroporto de Porto Príncipe para os americanos, que causou uma "chiadeira internacional" e que levou o ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, a dizer que os EUA praticamete "anexaram" o aeroporto.
França e Brasil protestaram formalmente em Washington, "porque aviões americanos receberam prioridade para pousar em Porto Príncipe enquanto aviões de organizações de ajuda eram desviados para a República Dominicana", segundo a revista.
O Spiegel diz que o Brasil, que lidera as forças da missão de paz no Haiti, "não pensa em abrir mão do controle sobre a ilha" e que, se depender da vontade do governo Lula, o projeto de reconstrução do Haiti "deve permanecer um projeto latino-americano".
A disputa diplomática em andamento "lembra ao passado político da ilha", diz a revista, "quando constantemente os oito milhões de haitianos se tornavam em um joguete de interesses internacionais".
Colônia
Por causa da situação precária no país e da fragilidade do governo, vários analistas ouvidos pelo artigo preveem que o país mais pobre das Américas pode voltar a se tornar uma "espécie de colônia".
"Desde 2004, a ilha é um protetorado da ONU", diz a revista, lembrando que as tropas de paz zelam pela ordem e segurança no país, treinam a polícia local e até organizam as eleições.
Henry Carey, especialista em Haiti da Georgia State University, diz no artigo que o mandato da ONU deverá ser estendido e que o país voltará a ser uma colônia, "dessa vez da ONU".
Para o analista, isso seria "positivo", se for mantida a recente tendência de estabilização econômica e política verificada no país.
é nego... tragédia e humano é algo pra inglês ver.
Vanessa, isso me preocupa muito também. Eu vejo, qlq um ve a perda desses lampejos em situações mais cotidianas. Até por isso eu fiz esse texto, pra que as pessoas se auto analisassem como humanidade. Volta sempre por aqui.
E aí Marcelo!!
Gostei desse ponto que vc levantou, pois eu falei muito sutilmente sobre isso, para evitar ficar fazendo julgamentos sobre as pessoas e acabar não tratando do tema maior, que realmente importa. Quem quiser jogar no google sobre doações de famosos vai ver que essas celebridades saíram em jornais do mundo inteiro. Bom, não vou desconfiar de ninguém aqui que ajudou. Mas fico pensando: milhares e milhares de anonimos do mundo todo doaram no anonimato. Por que os famosos não fizeram igual? Todos sabemos o vale tudo que é aparecer na mídia pra essas pessoas.. enfim...
Aparece mais, po! Me liga aí pra gente se encontrar!
Fala Samuel!
Os relatos de correspondentes que falam diretamente de lá são muito ricos nesse sentido. A mídia sempre esmaga essas informações que podem mudar por completo o quadro de análise. Infelizmente, é fácil dizer que o terremoto não foi o pior momento já vivido pelo Haiti, quando olhamos para a história desse país, ou mesmo qdo vemos os números que coloquei no texto.
Se nós pensarmos: esse terremoto que matou milhares e derrubou incontáveis construções não derrubou as construções bem edificadas dos bairros da elite que por lá vive, mesmo estando no mesmo raio de distância que devastou as construções precárias da maioria pobre de lá. É claro que a grande mídia não se preocupa em trazer essas informações para possibilitar um outro olhar.. Mas nós estamos criando esse outro fórum de informações por aqui mesmo.
Abraço!
Postar um comentário