Depois de
muito tempo de insistência é que fui enxergar. Eu com certeza
estava me distanciando cada vez mais do meu destino. A chuva fina já
havia encharcado minhas roupas e eu já estava começando a me odiar
de novo. Maldita teimosia que me fez sair de tão perto para aquele
lugar desconhecido, e a sacola de compras de papel descongelando as
coisas e arriscando arrebentar. Não adiantou eu, já no meio do
caminho errado, olhar as rotas no meio da chuva. Pois a cada vez que
olhava aquele pedaço gigante que eu teria que contornar para chegar
na avenida, tudo o que eu acabava fazendo era bancar o esperto e
procurar um caminho mais curto. Mas a diferença entre o esperto e o
teimoso é sutil como um coice, e foi assim que eu fui parar ali, de
cara com trilhos intransponíveis de trem, sem saída, me vendo
obrigado a fazer o caminho correto, além de ter que voltar um
calvário ainda maior do que aquele que eu quis evitar no início,
agora ensopado, com a cara molhada e as mãos congelando.
Haveria
algum lugar aberto naquela cidade? É claro que não. Do céu ao
asfalto, tudo era cinza. Do céu ao inferno. Ao meu redor não havia
nada a não ser os trilhos que pareciam ir em direção aos dois
sentidos do infinito. Mas aquelas escadarias ali poderiam até me
servir pra sentar e botar a cabeça no lugar.
E se eu
fosse o primeiro a voltar
Pra mudar
o que eu fiz
Quem
então agora eu seria?
Em algum
momento naquele trajeto me subiu à cabeça e eu cantarolei aquela
melodia nostálgica, cujas estrofes me chegaram como uma colcha de
retalhos incompleta. E se eu for o primeiro a prever e poder desistir do
que for dar errado? Dispenso a condição. E quer saber mesmo, pelo
visto eu cheguei aqui porque quis. Ou pelo menos porque sou. E entre
esquadros, semáforos e relógios com ponteiros demais, eu até que
estou bem, bem melhor que essa coisa assombrosa. Gosto muito mais
disso. A poesia do tumulto, do emaranhado e do desequilíbrio. Dali
eu não sigo pra frente, mas também não ando de volta. A melodia
aumentava de volume na minha cabeça e eu pensei, ora, se não sou eu,
quem mais vai decidir o que é bom pra mim? E fui eu mesmo que me
trouxe até aqui. Não estou só, nem perdido. Fui ao encontro de
mim, e estou em minha companhia. Depois me lembrei, nem estou só
comigo, meus sorvetes tamanho fofys coloridos estavam comigo, graças
a eu ser quem sou. Coloquei essa música pra tocar, e ouvindo a letra
com atenção, senti uma felicidade simples, e lembrei como até
esses monstros que moram em nós tem algo de belo se seguramos a
onda, os olhamos de frente e aprendemos que eles às vezes caminham com a
gente.
Entre
erros e acertos pequenos, dando o braço a torcer, na mesmíssima
chuva de antes, retornando por todo o caminho errado que fiz, fui pra
casa, pro quarto de hotel onde estava, dessa vez recorrendo um pouco mais ao droga do gps, admitindo
que ele manja melhor dessas coisas que eu. Vento congelante, garoa, e
um sorriso de leve por nem sentir mais os dedos e tudo e estar só,
mas em paz. Por não ser ninguém nesse grupo de gente, por não
fazer parte do grupo, mas de ver que eu estou com o planeta. Vou
levando assim,que o acaso é amigo do meu coração quando fala
comigo.
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