terça-feira, 3 de junho de 2014

#4

Depois de muito tempo de insistência é que fui enxergar. Eu com certeza estava me distanciando cada vez mais do meu destino. A chuva fina já havia encharcado minhas roupas e eu já estava começando a me odiar de novo. Maldita teimosia que me fez sair de tão perto para aquele lugar desconhecido, e a sacola de compras de papel descongelando as coisas e arriscando arrebentar. Não adiantou eu, já no meio do caminho errado, olhar as rotas no meio da chuva. Pois a cada vez que olhava aquele pedaço gigante que eu teria que contornar para chegar na avenida, tudo o que eu acabava fazendo era bancar o esperto e procurar um caminho mais curto. Mas a diferença entre o esperto e o teimoso é sutil como um coice, e foi assim que eu fui parar ali, de cara com trilhos intransponíveis de trem, sem saída, me vendo obrigado a fazer o caminho correto, além de ter que voltar um calvário ainda maior do que aquele que eu quis evitar no início, agora ensopado, com a cara molhada e as mãos congelando.
Haveria algum lugar aberto naquela cidade? É claro que não. Do céu ao asfalto, tudo era cinza. Do céu ao inferno. Ao meu redor não havia nada a não ser os trilhos que pareciam ir em direção aos dois sentidos do infinito. Mas aquelas escadarias ali poderiam até me servir pra sentar e botar a cabeça no lugar.
E se eu fosse o primeiro a voltar
Pra mudar o que eu fiz
Quem então agora eu seria?
Em algum momento naquele trajeto me subiu à cabeça e eu cantarolei aquela melodia nostálgica, cujas estrofes me chegaram como uma colcha de retalhos incompleta. E se eu for o primeiro a prever e poder desistir do que for dar errado? Dispenso a condição. E quer saber mesmo, pelo visto eu cheguei aqui porque quis. Ou pelo menos porque sou. E entre esquadros, semáforos e relógios com ponteiros demais, eu até que estou bem, bem melhor que essa coisa assombrosa. Gosto muito mais disso. A poesia do tumulto, do emaranhado e do desequilíbrio. Dali eu não sigo pra frente, mas também não ando de volta. A melodia aumentava de volume na minha cabeça e eu pensei, ora, se não sou eu, quem mais vai decidir o que é bom pra mim? E fui eu mesmo que me trouxe até aqui. Não estou só, nem perdido. Fui ao encontro de mim, e estou em minha companhia. Depois me lembrei, nem estou só comigo, meus sorvetes tamanho fofys coloridos estavam comigo, graças a eu ser quem sou. Coloquei essa música pra tocar, e ouvindo a letra com atenção, senti uma felicidade simples, e lembrei como até esses monstros que moram em nós tem algo de belo se seguramos a onda, os olhamos de frente e aprendemos que eles às vezes caminham com a gente.
Entre erros e acertos pequenos, dando o braço a torcer, na mesmíssima chuva de antes, retornando por todo o caminho errado que fiz, fui pra casa, pro quarto de hotel onde estava, dessa vez recorrendo um pouco mais ao droga do gps, admitindo que ele manja melhor dessas coisas que eu. Vento congelante, garoa, e um sorriso de leve por nem sentir mais os dedos e tudo e estar só, mas em paz. Por não ser ninguém nesse grupo de gente, por não fazer parte do grupo, mas de ver que eu estou com o planeta. Vou levando assim,que o acaso é amigo do meu coração quando fala comigo.

Nenhum comentário:

 
Free counter and web stats