sexta-feira, 27 de junho de 2014

O espírito de Rei do camarote: ou a arte de privatizar um show público

Fiz aniversário quarta feira. Na quinta, o Jorge Ben Jor resolveu dar um show de graça em Brasília para comemorar comigo. Acho que depois do Chico, Jorge Ben é o meu cantor vivo preferido – se é que dá pra comparar – e além disso, tinha bem uns três anos que o Ben não vinha aqui. A ocasião parecia perfeita. Show de graça, povão no mei da rua, aniversário... prato cheio para o esquema Jorge Ben de músicas felizes, viajantes e dançantes.
Cheguei cedo e procurei um bom lugar, porque sou fã e queria aproveitar do melhor ângulo essa festa. Acabei achando um espacinho privilegiado, criado por dois carros estacionados naquela rua que costuma ser uma área comercial de Brasília durante todos os dias do ano, exceto quando esse festival acontece, e aquilo se torna uma grande pista de dança, um salão de festas a céu aberto. De um lado, o carro popular de algum coitado, desavisado, que esqueceu de tirar o carro para a festa, e infelizmente teve o carro servindo de apoio pra bebidas e outras coisas. Do outro lado uma camionete de caçamba aberta, um veículo de fretes e mudanças, que estava estacionado de frente pro palco, e teve sua caçamba ocupada por um grupo de pessoas com banquinhos e isopores de bebida o show inteiro. Fiquei ali naquele corredorzinho entre os dois carros esperando as duas horas de atraso do show se passarem, pois estava de frente pro palco numa boa distância, e com muito mais espaço do que qualquer outro lugar disputado fora dali.
Confesso que quando vi a galerinha sentada no caminhão de mudança de frente pro palco, pensei: “brasileiro é um bicho criativo mesmo, né”... mas minha percepção se inverteu totalmente momentos depois. Já se passava mais de uma hora e meia de espera, ali, em pé, quando eu decidi pedir emprestado pra gente dois banquinhos que estavam vazios. Só pra sentar por uns 5 minutos, enquanto os donos não chegavam e o show não começava. Eu sei que fui meio cara de pau, mas depois que recebi um belo de um não, acompanhado por desculpas esfarrapadas, fiquei bem sem graça. Momentos depois, um grupo que estava em pé atrás do caminhão começou a gritar: “Senta! Senta!” para algumas figuras que estavam em pé em cima da caçamba, piorando a vista ruim de todo mundo que estava ali. Umas dez pessoas no caminhão-camarote e Jorge Ben sobe no palco. Achei que ia ser de boa ver o show dali pra mim, mas na verdade não.














(eu juro que ali no fundinho é o Jorge Ben)











(um show de selfies para agregar valor à caçamba, quer dizer, ao camarote)






E olha que eu tenho mais de um e oitenta. Imagina pros/as mais baixos/as que estavam ali? Assim que o show começou, o cara pra quem eu pedi os banquinhos tentou se desculpar, explicando o inexplicável. Queria ter o dom de dar aquelas respostas de cinema, e ter dito “cada um age segundo sua própria natureza”, mas tudo o que consegui foi dar uns tapinhas no ombro do cara, e dizer “tá de boa..” com uma dose insuficiente de ironia.
O fato é que a ideia desse grupo é algo mais que criativa. Imagina se todo mundo resolvesse fazer algo parecido? E além do mais, ela parte do princípio de que, desde que você crie as condições, você pode, sim, privatizar um espaço no show público e chamar de seu. Mesmo que isso seja a implosão de todos os princípios de igualdade e acesso público desse festival de rua. Até teve uma situação curiosa, que um maluco que nem conhecia o grupinho simplesmente subiu no caminhão. Depois, botou a namorada pra cima. E eu vi os caras querendo reclamar quando ele quis promover o terceiro desconhecido ao camarote-brega. Mas, apesar de ter sido uma situação bem engraçada, quantos populares mais caberiam naquela caçamba dos melhor-que-todo-mundo? Enquanto Jorge cantava Zumbi, eu tive uma visão. “de um lado cana de açúcar, do outro lado, cafezal... ao centro senhores sentados”.
Recentemente, saiu na Folha de São Paulo uma matéria bem polêmica sobre os Yellow Blocs, indignados porque pagaram 5 mil por cabeça, pra ficar tendo que encostar numa ralé que só pagou trezentos conto. Aquilo era um misto de comédia e ofensa para as pessoas comuns que viram o vídeo. Algo muito parecido com Rei do Camarote da revista Veja. E olha que, coincidência ou não, a maioria dos rapazes do camarote-caminhão se pareciam um bocado com o tal Babaxander de Almeida. E a vontade de “stats” era tão grande que, depois do show de Jorge, quando o apresentador foi encerrar e agradecer, agradeceu a compreensão da vizinhança, e destacou bem positivo que tinha gente vendo a festa de camarote. Nessa hora, enquanto os canhões de luzes e as câmeras viraram para o público, me bateu vergonha alheia ver uma das mulheres da caçamba se levantar toda orgulhosa para receber sua homenagem por estar melhor que o povo, mas murchar todinha na mesma hora, quando se deu conta que se tratava das pessoas dos apartamentos sobreloja que lotaram suas varandas com amigos, até porque com um som daquela altura, não teriam outra opção a não ser se divertir.
Ninguém precisa de cinco mil reais ou bebidas que piscam para querer se achar melhor do que os outros e obter privilégios insustentáveis se fossem estendidos para 10% das pessoas. Basta um caminhão de frete num show público, uns banquinhos, e a certeza de que você pode sempre se dar bem, não importa como.

7 comentários:

Anônimo disse...

O Jorge veio a Brasília no final do ano passado, e esse post foi no mínimo desnecessário.

Anônimo disse...

Seu comentario tb. E o meu.

ortegal disse...

Acho que festa privada não conta pra quem não tem o canal, né.
Cara, não é uma questão de ser necessário ou não. Isso aqui tem a ver com liberdade de expressão e opinião, assim como você manifestou a sua. Mas esse texto tinha seus propósitos. E um deles é justamente questionar essa lógica privatista que Brasília tem. Vale questionar seus privilégios po.. faz bem pra todo mundo

Lucas De Araújo Ribeiro disse...

olha, não entendi essa lógica privatista. O show não é público? Acredito que você pode fazer o que bem entender na área pública. Privatizar seria tomar posse de uma área e lucrar dinheiro com isso certo? Eu foi no show estava lotado muito ruim de andar. Mas se eu soubesse que ia ficar assim teria levado um isopor e umas cadeiras e ficado bem de frente ao palco, ou então na área comercial na frente do palco.

ortegal disse...

Fala Lucas,
O show era público sim. Você pode fazer o que bem entender, desde que respeite o interesse público, entende? Acho que é tranquilo levar um isopor, umas cadeiras e tentar a sorte e chegar perto do palco, ou na área comercial na frente do palco. Pra ficar perto do palco, tem que chegar bem cedo e lidar com paciência o empurra empurra que vai ser, e vc vai usar suas cadeiras quando não quiser olhar pro palco, pq vai ser dificil enxergar.
Agora, se fosse na área comercial ali em frente ao palco, vc ia ter que ter a sorte de não ficar atrás do caminhão de frete! Pq era justamente ali que eles estavam, e estavam atrapalhando a visão que vc ia precisar!

Privatizar não tá diretamente ligado a lucro. Tem a ver com você pegar uma coisa que é de todos (pública) e torná-la particular, privada. Foi o que aconteceu nesse episódio. Imagina se dez espertinhos executassem a mesma ideia? imagina 20? Não ia mais ter lugar pra você nem pra mim, cara...

Lucas De Araújo Ribeiro disse...

o lance, que ali, não era o lugar certo para realizar um evento daquele tamanho. é claro que deve haver um bom senso mas no show de milhares sempre há os querem se dar bem

Anônimo disse...

Para os desavisados: O T-Bone sempre fez as noites culturais, então todos que vão e que moram lá já se acostumaram com o evento.

 
Free counter and web stats