quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ilhas habitacionais e o paradoxo do pensamento de massa e individualismo social

Essa é a parte II do texto do Setor Noroeste. Havia mais esse assunto pra tratar, e eu acabei optando por separar essa parte do texto anterior. O Setor Noroeste é um caso emblemático, mas se enquadra dentro desse assunto mais geral, que é o de hoje.

O que acontece é a existência de um fenômeno bem típico de sociedade, cuja dinâmica é a do desenvolvimento desigual e combinado (salve Furtado!), isto é: uma sociedade que cresce na riqueza (concentrada) e na pobreza ao mesmo tempo. Sim, é uma contradição, mas uma contradição de alma; no caso, a alma do modelo capitalista. Daí é que não causa surpresa o ‘bota fora’ feito para índios seculares, em nome da devastação de matas preservadas para a edificação de mais uma colônia de concreto de alto custo.

Um caso semelhante é o surgimento das ilhas habitacionais. Ilhas! Eu queria parabenizar a pessoa que teve a idéia de dar esse nome! Nenhum outro nome poderia se encaixar tão perfeitamente como esse. Aqui no DF já existem duas, Ilhas Maurício e Ilhas do Lago. E a idéia é bem essa mesmo, um oceano de pobreza e miserabilidade humana cercando um pequeno aglomerado de riqueza acumulada.

..Mas eu falei de riqueza, pobreza, e miséria humana? Porque é fundamental deixar claro que esses termos podem ser relativizados e postos de cabeça pra baixo. Afinal, que riqueza há em habitar um lugar, cujo valor injetado para comprar a especulação daria pra bancar a sobrevivência de famílias e famílias que perecem por não terem o mínimo necessário para viver? Que riqueza há em ter uma tv enorme e bonita, se o noticiário que o rico entediado assiste por ela só mostra violência e desgraça?

Além disso – e de muitas outras coisas que poderiam ser ditas nesse sentido –, existe um ponto muito interessante que eu gostaria de compartilhar aqui. É sobre o paradoxo do pensamento de massa e o individualismo social. É uma contradição muito interessante, não fosse o seu trágico conteúdo para a ‘nossa’ humanidade. Parece algo confuso e, à primeira vista,complicado de entender. Mas a explicação vai se tornando acessível na medida em que nos deparamos com exemplos variados desse paradoxo no nosso cotidiano.

O pensamento de massa, como o próprio nome já diz, tem a ver com isso aí que está em todo lugar. Um pensamento só, que serve como molde para uma frota, um exército de indivíduos. Uma só receita. Um só caminho para a felicidade – o segredo está enterrado nas Ilhas! O individualismo social, por sua vez, é a proeza que a sociedade é capaz de produzir, e que está resumido naquela conhecida frase: ‘sozinho no meio da multidão’. É a capacidade de um conjunto de indivíduos estarem juntos e separados ao mesmo tempo. É quando o seu sucesso é completamente dependente do fracasso de muitos. É quando o indivíduo é como uma ilha, e a sociedade é como um mar que não se cansa de tentar invadir, engolir. E aquele que se vê na posição de ilha e vê os outros como mar, é também o mar que inquieta a ilha que é o outro.

Acho que deu pra entender os dois pontos. Agora, o paradoxo que aí existe: Como é possível que os indivíduos sejam massa onde deveriam ser únicos, e únicos, onde deveriam ser coesos como os ingredientes de uma massa? É isso aí. É quando se consegue fazer com que um mundo inteiro não ultrapasse os limites de uma ilha.

6 comentários:

Anônimo disse...

Fala Léo! Muito bom teu texto aí! Parabéns. Só que fiquei com um lance aqui na cabeça... Sobre essa parada do pensamento de massa e do individualismo, que outro caminho é possível? E como fazê-lo de forma que ultrapasse também o âmbito individual, das escolhas individuais de cada um?
Valeu mlk! um abraço.

Ortegal disse...

Fala Renan!
Eu fiquei pensando sobre isso que você perguntou... Acho que um dos maiores caminhos possíveis (ao menos possíveis de serem sonhados) é justamente a busca por um paradoxo oposto: o pensamento individual e a massa social.
Esse outro parodoxo seria feito justamente do oposto ao que lancei no blog. As pessoas precisam pensar com a própria cabeça, ainda que seja para chegar ao mesmo lugar de outras pessoas. Ou ainda, as pessoas deveriam se apropriar das idéias de uma forma mais autêntica: se eu te lancei uma idéia ou conduta alguma vez que te pareceu boa, você quer se apropriar dela não porque você viu que me parece bom, mas que porque você experimentou por si só e viu que é bom - não exatamente pra mim - mas pra você mesmo. O que acontece é que as pessoas fazem, compram, gostam, e desgostam, porque alguém disse que é bom pra elas. O pensamento que se opõe ao pensamento de massa não é o pensamento individualista, mas sim o individual. Se vc disse 'muito bom teu texto aí', vc não o disse pq tá na moda gostar do meu texto, ou pq alguém falou pra vc gostar; nem menos ainda vc elogiou ele sendo individualista (ou pq ele te renderia algum benefício exclusivo e dane-se o mundo). Você elogiou pq vc viu coisas que você mesmo julga que sejam legais.

E já a 'massa social' ou qualquer outro nome que indique o oposto do individualismo de massa, seria aquilo que sonhamos, que a sociedade seja de fato uma 'comun-idade', que não faça com que o sucesso pessoal seja às custas da miséria do resto, ou que a miséria do resto seja o sucesso de poucos, por aí vai.

Só essa segunda parte que não entendi. Passa aí e dá uma explicada melhor nessa parte!

Abração!

Jack disse...

Oi Leú!
Lendo essa idéia e essa última conversa entre vcs, fico pensando de que maneira a gnt poderia executar essa idéia da massa social.De primeira,me vem uma resposta simples que seria abrir mão exatamente desse individualismo social que isola micro sociedades num pensamento doente e atrofiado de modelo ideal de "comunidade" e tal... Pq nisso aí que vc jogou, de ver o outro como o mar que quer invadir a ilha, é um exemplo claro dessa sociedade consumida por essa doença materialista que está contida no capitalismo. E quanto ás ilhas, é como se dentro das ilhas,existissem outras ilhas, que são as pessoas, pq até mesmo aquelas pessoas que se refugiam nessa ilha das imagens perfeitas, elas mesmas não estão dispostas a se conectarem com as outras,gerando assim um microcosmo isolado pra elas mesmas, uma existência esquizofrênica,que eu acho que a gnte pode chamar de esquizofrênia social...
Aí,voltando lá pra resposta de abandonar esse pensamento individualista,eu penso e esbarro que até mesmo essas pessoas que são individualistas e que pensam no seu esquema e foda-se o resto do mundo...até essas são vítimas do seu próprio individualismo. Pq não é possível permanecer isolado no seu mundo de imagens perfeitas por muito tempo, de uma hora pra outra essa onda que tá lá fora pode submergir essa ilha, e essa onda é exatamente essa massa que tá lá do lado de fora inconformada com essa injustiça que cria esses dois mundos pra serem vividos, um pra quem pode e outro pra quem não pode. Só que o grande problema que eu vejo é esse: a galera da ilha não vai sair de lá. Não vai e pronto. Eles vão aumentar a segurança, eles vão blindar o carro, eles vão assinar a tv à cabo,eles vão contratar o segurança. Tudo pra se ver livre de ser atingido por essa massa social. Mas a massa que está lá fora, de repente,(essa minha idéia tá confusa ainda)ainda se mobiliza pelo motivo errado, ela se mobiliza pra entrar lá pra ter oq os caras tem, ou seja: esse demônio do capital vem e diz que vc é e vai sempre ser a escória por não ter oq eles tem e aí isso gera uma reação atrvés do pensamento da massa, que é: tenha, compre e se torne. E aí essa grande onda que poderia ir lá e derrubar esse pensamento, entra na ilha e leva consigo essa ordem. E passa a viver "resolvida" a partir daí e ponto final. Não sou mais um no mar de gente, tô na ilha e fim da minha história.
Acho que oq me inquieta e oq eu não consigo responder é como é que a gnt pode se tornar essa massa, essa grande onda que afunde esse pensamento doente e não que queira entrar dentro dele.
Enfim...é isso,as idéias estão meio confusas e rasas, mas é oq me causou de imediato. Tendo tempo e disposição, me responda...

BlacockMaztah disse...

Aê,

Tava lendo por aí que uns cientistas descobriram um tipo de bactéria que causa exatamente essas reações no indivíduo e na sociedade...

Fiquei de cara!!

Segue o link!

http://letras.terra.com.br/faccao-central/775249/


;)

ortegal disse...

Pois é Jack,

Eu vejo que o seu comentário tem muito a ver com o do Renan, que tem a ver com uma angústia que tem a ver com vocês, angústia que eu também compartilho. Como fazer que a sociedade deixe de ser um arquipélago de arquipélagos, para se que se torne um esteirão, um imenso céu onde cada estrela pudesse brilhar o seu brilho próprio. Eu penso que esse paradoxo se retroalimenta: o pensamento de massa é 'seja uma ilha para ser feliz', e aí, qto mais ilhas, mais se reproduz o individualismo social.

Eu acho que para haver o contrário, o paradoxo teria que ser outro: o Pensar (que hoje é de massa) deveria ser individual, autêntico. E o individualismo social(que é a postura da sociedade, da massa), deveria ser esmagado por esse compartilhar infinito de humanidades, por esse COMUNicar infinito de pensamentos singulares, de personalidades únicas.
Eu acho que seria esse o alvo. Agora, o caminho... O caminho é uma busca compartilhada por muitos há muito tempo e até hoje... A trilha não foi encontrada. Não existe a receita. Essa resposta eu não sei dar. Eu sei dar uma resposta singela, individual, mas que por ser individual remete ao alvo que acabei de apontar. Isto é, eu quero me tornar um pensamento único, individual, e que se fez algo único e indivídual justamente em contato com o pensar único e individual de outros (como vc, como o Renan, e como tantos outros)
Mas é como vc falou. Aqueles que querem deixar de ser mar, não querem deixar de ser mar no modo de pensar, ou seja, eles querem deixar de ser mar pq querem se tornar ilhas. E só não são ilhas pq ainda não deu pra eles. Mas eles não se cansam de tentar engolir essa ilha, porque querem se tornar ilhas também.

Kami disse...

Nossa, ficou filosófica a fofoca.





Nada mais sensato para essa cidade:
Bras-Ilha!

 
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