Acontece que poesia é feitiço, e feitiço traiçoeiro. E na Antologia Poética do Guará tá cheio desse tipo de mandinga. Se o nosso governador presidiário resolver de ler uma amostra, ele pode amargar um bom tiro a sair pela culatra. Se ele se encontrar com os versos afiados de Nestor Kirjner, por exemplo, vai chorar quando ver um lado da Brasília de 50 anos que o próprio governador preso organizou ao longo de todo o seu mandato, mas insistiu em fingir não ver. Se ele esbarrar com meus versos, padecerá de semelhante infortúnio. Meus versos, aos quais pedi que servissem de manto, não servirão a Arruda: É que ele já está recoberto com manto de sangue. Queria ter sido eu a entregar um exemplar desta obra ao detento, para, numa singela dedicatória, escrever: "o sangue daquelas crianças escorre é das tuas corruptas mãos".
Espero que o livro lhe chegue, e que, em chegando, lhe traga um feitiço poético daqueles. Nao daqueles de acalentar a alguém que sofre, mas daqueles de desnudar a alma para que ele consiga enxergar a sua, no profundo fosso de corrupção onde está mergulhada.
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Eis a poesia de minha autoria publicada na Coletânea Poética do Guará:
Verso Manto
Vai, verso meu,
Verso solo e que é frágil,
Se desfaça, qual neblina,
E torne-se a atmosfera da terra.
Vai, verso meu,
Faz o que há de ser feito
Para redimir nossa alma.
Cai do alto.
Goteja sem fim nos pedrados corações
Até que fure
E mostra o quanto a dor de um só machuca a tantos.
Vai, verso de sol,
Leva o calor de seu sentimento
E evapora o pranto.
Afaga o que morre por dentro
Ao ver morrer um dos seus
Ainda criança.
Vai, verso manto,
Se abra e recubra
Aqueles que sofrem o flagelo e a desgraça
De viver padecendo no mundo.
* Inspirada na dor que é perder um filho,
sobretudo quando vítima de violência e omissão,
como foram as mortes no CAJE em 2008 e em todos os anos.