Andei um tanto ocupado esse últimos dias com a greve, e aí acabei não dando a visibilidade que acho que esse dia merece. Na verdade não é só por merecimento, é por amor mesmo. Meu sangue ferve e até as lágrimas descem quando o assunto é o povo preto.
Acabei não escrevendo no dia, mas é como acabei de dizer: eu preciso dar Visibilidade a esse tema.
Há um bom tempo atrás, mais de uma década, o instituto DataFolha lançou uma grande pesquisa sobre a questão da desigualdade racial no Brasil. Os resultados acabaram dando a idéia exata ao título, e o estudo foi intitulado Racismo Cordial.
O que seria o racismo cordial? Vou tentar expressar o espírito do conceito com um dado* brutal: Apenas 5% das pessoas entrevistadas admitiram ter atitudes racistas, mas 95% das pessoas afirmaram que conhecem ao menos uma pessoa racista. Ou esses 5% são mais conhecidos que nota de dois reais, ou existe algo muito estranho entre os 95% restantes.
O racismo cordial é um tipo de racismo invisível. É como o vento que não se vê mas a todos se faz sensível. O racismo no Brasil é invisível, o genocídio negro persiste até hoje e segue invisível à maioria, o Dia da Consciência Negra ainda carece muito de visibilidade. Há uma luta já histórica de fazê-lo feriado, mas é uma luta que querem tornar invisível.
O dia 20 de novembro tem a ver com Zumbi e Palmares. E da intangível herança de Palmares, eu quero registrar apenas por alto os assaltos**. Um deles é a herança quilombo, e o outro, as cotas nas universidades e outras instituições.
Qual é a herança quilombo a que me refiro? Acredito que a maioria pensa em algo abstrato, alguma característica, etc. e tenho certeza que muita gente simplesmente desconhece o que vou falar: a herança quilombo são os próprios quilombos. Os quilombos que existem até HOJE. Mas agora o nome mudou um pouco, para Comunidades Quilombolas, ou Comunidades de Remanescentes de Quilombo. Existem comunidades de filhos, de netos e bisnetos de escravos até hoje no país, resistindo, lutando pela demarcação de suas terras que até hoje o Estado racista não reconhece o pertencimento. Para os mais desinformados, não muito longe do DF existem os Kalungas, um quilombo aqui nesse Goiás (do qual o DF finge que não pertence).
O outro assalto é a instituição de cotas para negros em universidades e outros espaços. É difícil de conceber, mas na universidade pública, a população negra era de apenas 2% do total, conforme revelava o Ipea. Hoje, com 20% das vagas, que muitas vezes são disputadas com brancos que querem nos destituir de nossa conquista chegando afirmar que são negros sem o ser, garantimos um espaço que já desencadeou um ciclo de transformações na sociedade brasileira.
E onde entra a herança do assalto nessa história? É basicamente o seguinte: tudo aquilo que a população afro-brasileira conquistou até hoje nessa terra desde que foi raptada de África foi de assalto. Nesse sentido, até a própria liberdade teve que ser tomada à força das mãos dos colonos. Quilombo foi a forma que os assaltantes da liberdade deram, quando a coletivizaram. E até a própria terra onde essa liberdade assentava seus pés teve que ser tomada dos opressores. Bem assim as vagas de estudo e trabalho. Chega de um povo apenas construir e o outro apenas usufruir. Vamos partilhar o segundo hábito, nem que seja pegando uma parte e dizendo: essa aqui é para este povo.
Viva Zumbi! Viva Palmares!
Viva esse pigmento que dá esse tom lindo à nossa pele, apesar das consequências!
* Eu arredondei 5% e 95% porque não lembro o número exato. Se eu não me engano é ainda mais acentuado, tipo 98% e 2%.
** Dois assaltos recentes estão registrados nesse blogue. Veja clicando aqui