Há três anos atrás ocorreu um episódio chocante na televisão
brasileira, e esse episódio gerou outro que, pelo menos pra mim, é mais
chocante ainda. Foi numa véspera de ano novo, num jornal da Band, quando
dois garis muito simpáticos pararam o rala pesado para desejarem um
feliz ano com muita paz, muita saúde e muito trabalho. Lembra? (vídeo)
Mal apareceu a chamada do comercial e Boris Casoy destilou: “Que
merda... dois lixeiros.. desejando felicidades do alto das suas
vassouras.. o mais baixo da escala do trabalho...” até que um
funcionário do jornal avisou o vazamento de áudio. Hoje em dia
imagino... o que será que ele continuaria a falar sobre os lixeiros se
ninguém o tivesse parado? Talvez alguma teoria de que deveríamos
escravizar essa gente.. não sei. Não duvido da criatividade daquele
tiozinho fascista.
Na época, escrevi um texto
realmente indignado sobre o assunto, e ao final puxei um Movimento Fora
Boris. Outras pessoas fizeram o mesmo, cada uma ao seu jeito. É claro
que não somos grandes como a Band, mas vai que essa coisa se torna um
viral? Se “Luiza está no Canadá” conseguiu, quem sabe a gente não
consegue 10% disso? Entidades sindicais processaram o jornalista, a
nossa juventude memória de peixe se indignou na internet por algumas
horas, o jornalista pediu asquerosas desculpas, e nada mudou, exceto
pelo fato de que no mês passado a Justiça de São Paulo condenou Boris a
pagar míseros 21 mil reais a um dos garis, três anos depois, por danos
morais. Enquanto isso, Rafinha Bastos paga R$ 150 mil a Wanessa Camargo.
Pelo visto a moral e a honra de um gari valem menos aos olhos da nossa
Justiça. Na verdade, Boris teria que ter pago também era uma boa quantia
a alguma entidade de utilidade pública, afinal foi um dano à saúde de
todos nós.
No meio das lutas do povo, a frase “jamais esquecer” é como uma
máxima, em razão do perigo da volta de nossos algozes. É como a lição do
Jumento Saltimbanco: “os humanos, eles sempre voltam”. E nós não
podemos nos esquecer que aquele velhinho do jornal que parece ser
inofensivo, na verdade tem nojo dos pobres, e foi um comparsa da
ditadura militar no Brasil. E se o vídeo é chocante, como eu havia dito
no início do texto, o que me parece mais chocante é saber que esse
calhorda continua ao vivo, alimentado pelos milhões de brasileiros que
simplesmente... esqueceram.
Lembrar desse caso era uma das razões de escrever esse texto. E a
outra, é comentar o que ocorreu esses dias em algum lugar do Brasil, do
lado da sua casa. A população de duas cidades brasileiras jogaram quilos
e quilos de lixo em frente à prefeitura da cidade. Aconteceu em Belford
Roxo e em Várzea Paulista. Atraso de pagamento e descaso por não ter
sido reeleito são algumas das razões para a paralisação dos garis das
cidades. O mais baixo da escala do trabalho? Aguarde três dias sem
coleta de lixo e veja só o que seu bairro se torna. Agora, imagina o que
seria varrer o William Bonner, o Boris Casoy, o Carlos Nascimento e o
Datena do ar por um mês?
Feliz ano novo! Aos garis e a todo o meu povo!
Leonardo Ortegal é assistente social, mestre em política social e colunista do Jornal O MIRACULOSO